terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Quando eu Lembrei do Futuro



Belém, 31 de dezembro de 2018.


Quando eu lembrei
Tu tinhas um futuro tão bom
Eu escolhia as flores
Que iriam para a tua janela
Florescerás eu sei

A terra seca
A lua nova
A escuridão
Do outro lado
Olha que vem o sol
O silêncio da cor
E como tu eras prisma
Agora o arco-íris
Pensei no arco e a íris

Meu amor fique aqui
Junto comigo
Vejamos os fogos no céu
Os aviões vem nos saudar
Ou nos deixar saudade

Quando eu lembrei
Tu tinhas um futuro doce
Eu escolhia as frutas
Que iriam para a tua mesa
Frutificarás eu sei

A rua deserta
A praça de poucos
O rio desconhecido
A folha que parou

Meu amor fique aqui
Junto comigo
Brotou um olho d´água
Carros vem tomar posse
Ou sentir a nossa sede

Quando eu lembrei
Tu tinhas um futuro calmo
Eu escolhia pra ti a paz
Que iria para o teu teto
Tu sonharás eu sei

O fato nas costas
O vizinho distante
A dor dos outros
A culpa que me chega

Quando eu lembrei
Tu tinhas um futuro amor
Eu escolhia pra ti a nuvem
Que iria para o teu recanto
De mim lembrarás eu sei


Pantoja Ramos


Publicado originalmente no Recanto das Letras



sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Fábula Azeda




Quibdó, 15 de dezembro de 2019.



Era uma vez uma jabota conhecida como Rabeta. Mal-humorada, avessa a amizades, quando respondia, era só na patada. Vivia no seu casco e deste lugar quase nunca saía. Praticamente achava-se que Rabeta não comia, tal era a sua discrição em comer as marias-mole e as goiabas-do-mato que se anunciavam ao seu redor. 

Rabeta tinha raiva do mundo.

Os animais em geral a viam perto do velho jambeiro, árvore que marcava que em certo tempo humanos moraram ali. O macaco-de-cheiro puxava conversa:

- Bom dia Dona Rabeta!

- Quem disse? - respondia lá de dentro do casco.


Cumprimentava o jacaré:

- Boa tarde Rabeta.

- Tu provas? Te sai.


Tentava ser gentil a onça:

- Quer prosear?

- Te sai. E não vem que meu casco é duro ou você já quer perder o outro dente?

- Ó jabota casca grossa - e partia a onça passando a língua no buraco do antes dente canino.

Em geral os bichos desistiam de conversar com Rabeta e desta maneira esta conseguia seu objetivo: ficar na sua, quieta, mastigando as folhinhas e a raiva que tinha do mundo. 


Ainda assim, havia a Nara, a ave Guará que todo dia a visitava.

- Olá Rabeta, tudo bem?

- "Tudo" e "bem" juntos não existe. Te sai.

- Credo, Rabeta, só quis dizer Bom dia.

- Não será.

- Tá, como estás?

- Mastigando.


E Nara assuntava e falava, falava, descambava a contar histórias sobre camarões que comeu, dos caranguejinhos que lhe escapavam, da fofoca e críticas por puro despeito às araras, "aquelas coloridas que se achavam"; dos tatus que erravam os buracos de suas casas.

Rabeta, lá dentro do casco, mastigava. Não dava trela.

Só que Nara não desistia de sua amizade.

- Rabeta, olha que eu trouxe pra você: é folha de jambu que eu roubei de uns humanos. Tá até com tucupi.

- Me treme o beiço. não quero.

- Rabeta, olha essa flor de tajá pra colocar por cima do teu casco.

- Vai chamar mamangá pra me ferrar. Não quero. Te sai.

- Rabeta, achei um jabuti bonitão pra ti.

- Pra comer minhas marias-moles? Tô dentro!

- Quer conhecer??

- Não. Tô dentro do meu casco! Te sai.

- Rabeta, tu reparaste como a chuva tá pesada esse ano?

- Não quero. 

- Não quer a chuva?

- Não quero papo.


Deste modo seguia o curso da boa relação de Nara (na concepção unilateral desta) à amiga Rabeta.  

Rabeta mastigava.

Um dia, enquanto Nara inspirada falava em seus mínimos detalhes sobre a farra dos catitus no marizal da vizinhança, não percebeu que um humano se aproximou e vap, pegou-a pelos pés e a ensacou, provavelmente para lhes arrancar as bonitas penas alaranjadas como o pôr do sol. 

Rabeta mastigava sua raiva cotidiana e nem reparou do movimento que se fez lá fora de seu casco. E como o silêncio pairou de repente, pensou: "a doida deve ter ido embora cansada de tanto falar, égua! Devia ter nascido periquito de tanto falar!".

Silêncio ecoou.

Até Rabeta estranhou.

Devagar meteu a cabeça pra fora. 

Tudo parado, sequer uma estridulação de grilo. 

- Te sai? 

E voltou pra dentro.

No outro dia, Rabeta acordou tarde. Pudera, seu despertador matinal não tinha chegado ainda.

- Viu? De tanto não ser bom o dia, a doida da Nara não veio perturbar.

E mastigou sem graça.


Os bichos foram se aproximando de Rabeta. Um a um.

- Rabeta? Bom dia.

- Ihh! Lá vem vocês.

- A gente não sabe como te dizer...

- Primeiro aprendam a falar!

- É que a Nara tá na mão dos humanos... 

- Dos humanos?

- Vão tirar as penas dela pra fazer fantasia das festas deles.

- O quê??

- Sentimos muito.

- Sentem? Sentem? Vocês não sentem nada! Não sentem quando a família de vocês é pega por esses monstros que nos cozinham! Nos matam aos poucos! Meu pai, meus irmãos, minha mãe morrendo se debatendo na panela quente!! Eu vi o pé deles se mexendo! Eu vi tudo pequenina que era, debaixo daquele pedaço de lenha! Todos assados! Comidos no sumo do limão! E não foi por fome daqueles humanos! Foi por gula!! Gula!! Tavam todos gordos! Aquela senhora babando pelas ovas da minha irmã! Sentem?? Não! Vocês não sentem!

- Sentimos muito. Nara é uma boa amiga.

- E ainda é! Vocês não entenderam a história da panela?? Mesmo cozinhando, um jabuti não desiste!


E Rabeta foi pra junto do rio na velocidade dela.

- Não me apressem! Tenho que me concentrar, cambada!

E tirou seu casco, imenso casco de jabota que tinha e jogou no rio.

- Sobe todo mundo!

Todos subiram no casco,

- E agora?

- Agora os calangos ali fazem o trabalho: bora!

E como um motor de popa os calangos juntos deslocaram rapidamente o casco de Rabeta pelos igarapés com os bichos da vizinhança até chegar na barraca dos caçadores que mantinham Nara presa na gaiola de madeira roliça.


Assim que o casco parou na margem, a bicharada num desatino de todos os sons invadiu a barraca, mordendo, arranhando, fazendo misuras para os caçadores que saíram correndo. Era tatu, arara, catitu, onça, mutum numa confusão danada. Até cocô de macaco-prego voou. O maior deles ainda tentou pegar na espingarda, mas Rabeta pulou na sua orelha e deu a dentada, digna dos jabutis.

O homem gritava, gritava, atirava a esmo e chorava de dor.

Rabeta segura na orelha do marmanjo até este bater com a cabeça num acapu e desmaiar de dor.

A guariba cantou:

- Solta!!

Pronto. Rabeta largou o infeliz.

Nara, libertada pelos macacos, já estava no casco de Rabeta, que corria (no seu ritmo) pelada em direção à margem.

Todos no casco, os calangos acionaram as pernas. O jacaré veio ajudar. A Rabeta empinou e porfiou com os pássaros.



No outro dia de manhã, agora já no normal começo de um dia de algazarra dos animais, Nara pousou para prosear com a amiga:

- Muito feliz de tá livre!!! Bom dia amiga Rabeta!!


Rabeta, lá de dentro, admitindo só pra si a saudade que teve da companheira e também percebendo que deveria mudar seu comportamento, meteu a cabeça pra fora e um indisfarçável sorriso amarelo a fez balbuciar:

- É... pode ser que seja...

- O que você disse??

- Te sai.






Pantoja Ramos.






quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Sumaúma é História

Foto do Sítio de Notícias Ver-O-Fato. Sumaumeira que foi derrubada para dar lugar a prédios no Bairro Batista Campos.




Uma Sumaúma é História.
De pessoas, de pássaros, de passagens.
Dos passageiros nos ônibus.
Das janelas que conferem quantos periquitos lá pousam e quais seriam suas prosas.
As prosas de nascer do sol e de poente.
Uma Sumaúma tem História.
Que se foi no machado.
Mais rapidamente na motosserra pra não se perder tempo.
O tempo que a História cobrará.
A jovem Sumaúma que só não se perderá no tempo porque suas sementes aladas darão filhas.
As filhas conscientes árvores e pessoas que saberão do misturado entre Sumaúma e História.
E assim não mais muda será a gente diante do dinheiro.
Que não é Sumaúma.



sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Fábula Amarga


De Santiago a São Paulo, 25 de novembro de 2019.



Era uma vez uma paca que se chamava Dema. Ela vivia solitária de outros de sua espécie desde muito filhote ainda por conta do espanto de uma onça que assim fez seus irmãos e mãe fugirem cada qual para um lado. Desapartada, Dema foi adotada por um grupo de cutias que a viam como grande e destemida e não se importavam aparentemente do fato de Dema ser de outra espécie. Além do mais, Dema em algumas ocasiões mostrou ser muito útil na cabeçada dada no gavião que um dia quase levantou vôo com um filhotinho de cutia.

Todos confiavam em Dema e esta nutria a mesma reciprocidade para com o bando de cutias.

Certa vez, num caminho no meio da floresta, o grupo de cutias roía seus coquinhos do mato quando uma surucucu enorme lhes deu bote. Seria certeira a dentada venenosa se Dema não tivesse surgido no momento para enfrentar a cobrona. Quer dizer, nem tanto, pois Dema percebeu que não era páreo e se meteu num buraco de tatu vazio, com a surucucu atrás. Lá dentro travou-se a briga.

As demais cutias ficaram apreensivas e já contavam sobre o destino final de Dema quando esta aparece do buraco toda mordida. Era morte certa. Mas não. No máximo baldeou um líquido verde-escuro, saído de suas entranhas, na boca, o gosto de fel. 

O fel da paca.

A surucucu saiu do confronto também mordida e arranhada e ficou pasma com a resistência de Dema. Foi-se embora, porém, com o olhar da pura vingança por vir. Pela raiva que tinha dentro de si, a surucucu passou a seguir o bando de cutias e Dema e não descansaria até que se alimentasse de todas elas. 

Não sendo poucas vezes que atacou as cutias , a surucucu foi impedida de seu banquete aguti sempre pela paca Dema e seu corpo imune à peçonha do ofidio.

A surucucu resolveu pensar. 

Tramar. 

Se preparar. 

Dema avisava para o necessário estado de alerta. As cutias, entretanto achavam que Dema exagerava e que esta nunca seria derrotada pela cobra.

No outro lado, ardilosa, a surucucu mudou de estratégia e começou se aproximar do bando de cutias, não para mordê-las, porém, para sibilar notícias e temas divisionistas entre as cutias. A ideia era envenenar a alma. Disse para uma:

- Onde está tua castanha escondida aqui ontem? Não será aquela nas patinhas daquela cutia a te roubar o alimento?


Para outros:

- Já agradeceste à GRANDE AGUTI pelos coquinhos que ganhas? Ah, não ganhas, peça para GRANDE AGUTI te dar, não, mais, desafia GRANDE AGUTI!


E para outros:

- Reparem em Dema, ela não é como vocês. Ela é diferente, mais forte até. Já pensou se Dema encontra outras de sua espécie e neste crescimento em indivíduos dentro do grupo das cutias passam a dominar vocês? A família Cutia está ameaçada!


E de sibilar a sibilar foi minando a resistência mental das cutias que passaram a hostilizar Dema por ser diferente. Esgueirava a surucucu destilando seu veneno moral mesmo enquanto as cutias homenageava GRANDE AGUTI. 

Um dia, uma espantosa notícia: a surucucu tinha se convertido em cutia. Elas festejaram, vibraram doando alimentos a este novo líder do ato de celebrar GRANDE AGUTI. 

As cutias agora, só pensavam em si mesmas e neste individualismo por castanhas e coquinhos. Como consequência, nem mais reparavam que algumas começaram a ter fome.

Alertando sobre o mal estado das coisas, Dema resolveu repartir seu alimento com as demais. Quando começou a distribuir castanhas entre os roedores, a surucucu-cutia começou a gritar:

- BLASFÊMIA DESTA QUE DESEJA DESTRUIR A LEI DE CONSEGUIR CASTANHAS PELO ESFORÇO!

- Você não é uma das nossas!!! - responderam muitas cutias gordas à Paca Dema. 

- Como assim?? Sempre fomos irmãs mesmo não sendo iguais em aparência.

- Vai embora! Vai pro buraco!


E neste ameaçar, duas cutias morderam Dema. Depois outra, depois outra. Estavam insanas. Morderam. Morderam.

Com a boca cheia de sangue, a pobre paquinha ficou estirada ali mesmo. Uma sensação horrível de abandono tomou conta de seu ser. De toda amizade e gratidão, evaporou-se tudo numa imensa incompreensão. Com um resto de forças, foi embora para nunca mais ver as cutias que já não mais conhecia.

Quando sentiu que Dema partira, a surucucu convidou a todos para uma celebração à GRANDE AGUTI. As cutias festejaram pelo fato de só haver cutias de agora em diante.

A surucucu enrolou-se de contente de seu plano e deu o bote.

Muitas picadas. Muito veneno. Muita correria. Até tentativas de se esconder nos buracos. Lá permaneciam tremendo, escondidas, reclusas, refeição garantida da surucucu.

Enquanto a morte fazia efeito nas que foram picadas, um gosto final permanecia na boca das cutias.

O gosto do arrependimento.


Pantoja Ramos.

domingo, 24 de novembro de 2019

Fábula Salgada


Buenaventura, a caminho de Cajambre, 20 de novembro de 2019.


Era uma vez uma revoada de periquitos que resolveram cruzar os céus do Pacífico até o Atlântico. Vamos chamá-la de Revoada Naidí. Num tempo em que quase não haviam cidades humanas no dito Novo Mundo, tais pássaros tiveram uma última refeição à base de frutos de uma palmeira magrela em comparação às outras espécies de palmas. Esses caroços lhes garantiriam farta nutrição para este desafio descomunal em altura: atravessar os Andes. 


A Revoada Naidí singrava os céus tendo troca na lideranças do bando. Desta forma, quando o tempo era de chuvas torrenciais, os periquitos escolhiam o de melhor visão entre todos para tais tempestades, na prudência de desvias das árvores e picos de montanhas. Quando em tempo de brilho sol, a escolha era pelo mais rápido indivíduo para assim motivar os demais. No período de carestia, escolhiam aquela periquita mais sábia para conduzir a Revoada Naidí para a decisão sobre pontos de descanso e de alimentação.


Com todos estes cuidados de revezamentos de líderes para cada momento, apesar das dificuldades, conseguiam manter a rota. 


Quando a Revoada Naidí passava por cima do estuário do Rio-Mar chamado séculos depois de Amazonas, avistou seres humanos caminhando com ares de preocupados e aparentemente famintos. A sábia ave que desta vez coordenava o grupo psitacídeo olhou e teve dó, pois crianças seguiam naquela caravana com aspecto sofrido.

- Mano, ainda tem Naidí na tua barriga?
- Ainda, Líder Sábia, por que?
- Defeca ali no caminho daqueles seres que por lá vão.
- Mas se a planta nascer e crescer aqui, eles aproveitarão?
- Quem sabe. Na volta veremos.


E assim o periquitinho gordinho desceu no piso da mata, obrou e ligeiro decolou pois um gato maracajá já tinha o espreitado.


- Te sai! - disse ao felino.

E retornou ao grupo.


Três anos depois na tentativa de voltar do Atlântico para o Pacífico, os periquitos avistam uma moça cujas lágrimas regavam o pé de planta largado pelo periquitinho gordinho. E percebiam que a humana estava abraçada nesta palmeira cujos frutos caiam próximo aos seus cabelos. 

Iaçá, a que chorava copiosamente junto à palmeira de tristeza pela perda de sua filhinha, se foi. Quando os demais de sua tribo encontraram-na também acharam os frutinhos. O periquitinho gordinho gritou lá de cima para eles:


- Que nunca mais passem por isso! Amassa o fruto! Amassa pra render, manos! 


Despareceu no céu a Revoada Naidí.


Os humanos da antiga aldeia de Iaçá passaram a alimentar-se do fruto misturado com a farinha de uma raiz. E assim terminou a fome daqueles tempos.


No Pacífico novamente, Revoada Naidí avistara outros Homo sapiens que tinham viajado de uma terra muito distante, além Oceano Pacífico. Eram mulheres e homens fortes e altivos. Cantavam sempre e sua cantoria agradava aos periquitos. Até competiam neste dom de saborear a vida. No dançar por cima das ramas, sapatearam frutos das palmeiras para os homens e mulheres que cantavam lá embaixo. Estes comeram e gostaram.


Depois de compartido a comida, gargalharam os periquitos de alegria e bateram asas para o Atlântico.

Neste percurso retomado, enfrentaram muitas correntes de ar, das mais poderosas. Escolheram um pássaro que de tão brioso cortava o vento em favor de seus companheiros e companheiras que o acompanham.

- Temos que ser tão fortes quanto os humanos que atravessaram o mar sem fim.


E próxima ao Estuário Amazônico, a Revoada Naidí fitou outros humanos correrem de outros, fugidos. A Revoada reconheceu a semelhança com seus cantantes e dançantes amigos do Pacífico. Tais humanos que agora estavam escondidos no meio da mata ainda tentavam entender o que poderiam utilizar para comer desta mata.


Os periquitos fizeram uma confusão danada nas palmeiras que eles tinham ajudado a plantar com suas obras de ir e vir. Caindo na cabeça dos humanos que se escondiam, gargalharam os periquitos e também fizeram festa. Os humanos primeiramente desconfiados não entendiam a mensagem. O líder daqueles homens, mulheres e crianças, o mais valente, recebeu a visita num galho muito próximo do líder periquito, o mais brioso. Falou em periquitês:


- Toma deste fruto e siga distinto e resistente. Alimente com este fruto todos que precisem. É com peixe, principalmente, mano.


O líder humano comeu do fruto. E todos comeram do fruto.


A Revoada Naidí partiu.


Séculos depois, tanto na pós geração de Iaçá, quanto na dos humanos do Pacífico e na dos humanos fugidos (agora reencontrados em si mesmos)  quando um menino ameaça atirar uma pedra num periquitinho que se alimenta do fruto sagrado, a mão do mais sábio ou da mais sábia encontra seu ombro e diz:

- Gratidão, meu menino, tenha gratidão...





Pantoja Ramos.


domingo, 17 de novembro de 2019

Fábula Doce


Pizarro, Colombia.

Era uma vez uma formiga chamada de 21 que muito se orgulhava de seu ninho, feliz de estar no serviço nobre de entregar folhinhas, pedaços de arroz e de açúcar para seu reino.


Esta formiga ficava boa parte do tempo fora do reino, catando tudo para assim entregar no ninho e imediatamente voltar à luta. Numa ordem natural das coisas, comia parte do que carregava e estava certa que porção de comida estava garantida assim que ficasse mais velha e com menos força para carregar em produtos 50 vezes o seu peso. Um sonho para qualquer formiga operária como 21 era estar segura e comendo no final da vida.


Lá no reino das formigas, de repente, o açúcar começou a ser considerado a maior das riquezas, desequilibrando o que se percebia como necessário para a vida destes insetos. Uma doutrina começou a dominar as mentes formigueiras: o AÇUCARISMO.


Várias medidas foram determinadas a partir do AÇUCARISMO, dentre elas a lei que não garantia mais a porção gratuita de comida (entre os alimentos o açúcar) para o final da vida das formigas. Quem quisesse açúcar, teria que guardar de sua própria labuta.


Assim, fora do Reino e sem a porção assegurada, 21 passou a carregar os alimentos para seu ninho, comendo obviamente o que separava de seu trabalho antes de chegar ao ponto de entrega.


Com o AÇUCARISMO, as antenas de 21 recebiam encomendas de mais açúcar e lá partia, o dia todo, entrando pela noite para cumprir sua cota de fornecimento e claro, pegar um pouco de açúcar. E no outro dia foi trabalhar nesse ritmo. E no outro, e no outro... Pouco descanso.


Como trabalhava sem parar, comia o que lhe surgia no caminho entre uma entrega e com o tempo não teve como guardar açúcar e outros alimentos para o futuro, pois a ordem era clara do Reino: levar o máximo que podia para dar de comer às outras classes de formigas.


Em um dia de muita luta, partiu sua antena direita numa pedrinha mal distribuída no corpinho que detinha. Em outra ocasião, perdeu uma perninha ao tentar fugir de um pássaro. Comia um pouco do açúcar, dava a maior porção em nome do AÇUCARISMO.


Com os dias, foi enfraquecendo e sentindo as consequências das perdas de sua condição Hymenoptera.


Chegou o inverno.


O inverno do século.


O inverno de 21.


Envelhecida, com deficiências físicas, vivia deitada enquanto transeuntes formigas bem alimentadas de açúcar passavam por cima, quase pisando-a.


A fome devorava.


Parasitas lhe subiam no exoesqueleto. Estava no fim.


Uma Cigarra que por ali passeava, reconheceu 21, a mesma cuja conversa longa de amizade daquelas que fazemos na rua todos os dias recebeu toda ordem de preconceitos pela ordem superior das formigas. Espalhou-se inclusive boatos que a Cigarra era uma vagabunda e não trabalhava. Até uma fábula para crianças inventaram.


A única verdade nas histórias todas que seguiam era que a Cigarra vivia com seu violino a musicalizar suas andanças. Parou quando viu 21 deitada.


- Fala 21, que contas? Que fazes aí deitada?
- Estou com frio e com fome amiga Cigarra.
- Isso é sério?
-  Muito sério.
- Cara, cadê sua antena? Sua pata? Seu brio? Aquela força?
- Não sei, mana, depois que implantaram esse tal AÇUCARISMO, me arrebentei de tanto trabalhar.
- E veja como estás envelhecida?
- Pois é.

A Cigarra sentou, colocou uma das patonas no pseudo queixo, pegou o violino e cantou:


Eu só quero minha vida
Eu só quero minha vida
Pra que tanto trabalhar?
A quem meu tempo devotar?
Vamos sair, curtir, brincar
Que o tempo passará
Para um dono não matar.


Esticou a barra do violino e pediu:
- Segura, venha comigo para outros reinos.
-  Nada tenho para levar.
- Melhor ainda.


E assim a Cigarra e a Formiga 21 viveram no LUGAR DOS BICHOS MISTURADOS, vendendo folhinhas, seivas e pedacinhos de frutas para os insetos em geral. Não ganhavam muito açúcar, era fato, mas  trabalham apenas para ter o essencial. Ali todos tinham o direito da PREVIDÊNCIA INSETA.


Assim viveram para sempre.


Quanto ao antigo país de 21, soube-se que a terceira geração após a criação do AÇUCARISMO colocou milhares de formigas operárias massacradas pelo sistema a tentar derrubarar aquele sistema cruel.


Lutam até hoje.

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Crônicas, Passageiro: Redação do LUTO

Belém, 4 de novembro de 2019, dia após o Enem.


O ano era de 1992. Escola Estadual Santa Maria de Belém, próxima à Praça Batista Campos, menina dos olhos do Governador Jader Barbalho como aquela que seria o melhor colégio público do Pará, pelo menos nas suas falas matinais no rádio "na ordem de...". Eu, recém chegado do Jari, olhos centrados para passar no Vestibular, agora morava em uma "República" para abrigar alguns estudantes jarilenses na capital.

Aula de Redação. Professor conhecido na praça como um dos mais requisitados daquela época. Alunos do terceiro ano, ou "Convênio" como assim eram chamados os vestibulandos. Exercício estilo narração. Tema livre. Escrevi sobre algo que não recordo mais. O professor convidou à mesa cada aluno para dar a nota e fazer um comentário. Na minha vez, recebi nota oito e um comentário: "está bom". Voltei até aliviado daquela consulta com um homem de voz grossa e feições severas.

No final da aula, o professor bradou: "acho que vocês deveriam fazer um curso técnico e não universitário. Aqui ninguém tem condições de passar no vestibular". Com essa frase, terminou a sessão e um grande silêncio pairou na sala. Mal se escutava o pisar de meus colegas saindo para o corredor. Era um luto. Mas não tinha morrido ninguém. Ou havia? Dali em diante, ampliei em mim o sentido da palavra LUTO.

Tentei reforçar os estudos no período da manhã, aceitando depois de muita relutância a oferta de meu pai de pagar a mensalidade do cursinho do colégio Ideal. Assim, de manhã estava no colégio particular e à tarde no Santa Maria de Belém. Só voltava para o Conjunto Maguari à noite. Mal dormia. Mal comia. Sequer fui assaltado dada a minha aparência plebeia de estudante lascado e faminto. Acabei com um princípio de pneumonia e estafa física, de um corpo de gafanhoto e mais olhudo do que o normal. Sou até hoje grato ao abacate com farinha e ao caribé de Dona Lucila que muito me valeram enquanto tomava os remédios.

No Ideal, participei de uma aula de redação com o dito professor do Santa Maria. Uma ode ao uso do termo Motivacional: "vamo lá pessoal, vamo lá, todo mundo aqui afiado pro Vestibular". Em nada aparentava o taciturno ser que agourou minha turma.

Sim, minha turma. A da tarde. A do colégio público que em certo momento só tinha aula três dias na semana. A dita super escola pública em que os professores tinham dificuldade de receber seu suado salário.

Recuperado fisicamente, não voltei mais ao Ideal. Só saía para o Santa Maria. Preferia estar trancado no quarto estudando.

Comi livros. 

Comi abacate com farinha.

Estudei deveras a tabela periódica.  "BEnedito COmeu GALinha e INtalou-se". Testei redações. Próclise, ênclise, mesóclise. Deus! Pra quê tanta burocracia no verbo?!! Macaco Rhesus. Os tigres asiáticos. Fóton. Antologia poética de Castro Alves. Báskara.

Fui cantar uma moça e como cortejo descrevi todo o sistema digestivo, desde a ação das glândulas salivares, passando pelo ácido clorídrico até o bolo fecal e esfíncter (pensei na oratória do vigente Presidente, ops!). A moça achou que eu era estranho. Talvez.

Voltei-me às enciclopédias. Barsa, Mirador, Enciclopédia do Estudante,Vademecum do Saber. Mania que meu pai incutiu em mim. 

Assumi o que meu amigo Rogério acusava: "tu só sabes ler enciclopédia. Leia outra coisa, rapá". E passei a ler outros estilos. Poemas. Crônicas.

Passei no Vestibular.

Formei-me em Engenharia Florestal.

Enveredei nas aspirações campesinas.

Escrevi esta crônica.

Perdoei ao professor de Redação. Por favor perdoe-me por tais linhas.

Procuro questionar e trincar a vidraça do sistema em que vivo.

Aqui estou.

Vinguei meus amigos!

Luto.








quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Réus de nossos tempos


O Eucalipto estava no banco dos réus:

- O que tens a dizer em tua defesa? - perguntou o Juiz Japiim.

- Sou inocente! Não foi culpa minha, meritíssimo. Fui levado por aquele ali a matar tantas plantas, rios e bichos!

Apontou para o Homo sapiens que filmava o julgamento. Fez de conta que não era com ele.


Sai o veredicto:

- Porque não sabias o que estava a fazer, eu te condeno a prestar serviços comunitaristas.

O martelo de madeira gritou: FEITO!


A Onça anuncia:

- Próximo caso! A Natureza do Chile contra o Abacate!!

O Homem aproveitou pra sair de fininho.


O Abacate olhou pro eucalipto que saía do tribunal e disse irônico:

Muchacho, no es guacamole no!





domingo, 6 de outubro de 2019

Crônicas, Passageiro: Vidas Rasas?



Naquela madrugada de sexta-feira, contemplávamos a movimentada rotina da venda de frutos de açaí na feira que recebe o nome da santa fruta libertadora de um destino pior da fome. Belém do Pará nem parecia ser Belém pois ali havia uma terra de caráter multirregional, do Marajó, do Baixo Tocantins, da Ilha das Onças, de outras paragens e países. Terra de Sumanos, Sumanas, Suprimos, Suprimas, Parentes. Território Internacional do Açaí.

E aparentados já estavam meus colegas da Colômbia que vieram conhecer tudo o que eu falava pra eles em produção de açaí, lideranças técnicas que viam o Pacífico Colombiano ainda começar a dobrar o primeiro laço da peconha neste tão valioso produto da América Latina. O Naidí ou Chapipi (como chamam nas comunidades colombianas) tem pouco mais de 100 anos de relação com a população local, ainda na base do consumo das pepas (frutos) segundo me disse um dos participantes do intercâmbio. Ficaram embasbacados com as polpas que fazemos, com a economia que giramos e com capacidade de alimentar as pessoas. O Açaí ainda é uma fruta socialista.

No meio daquele movimento de carreteiros (SAI DA FRENTE, TÁ PASSANDO!!), três pessoas me chamaram a atenção naquela feira: a senhora do café, a fotógrafa e o rapaz do carreto. A senhora que vendia café se aproximou de nossa comitiva para uma prosa, com este aprendiz de cronista exercitando o portunhol legítimo para traduzir suas falas. Sabia de cor e salteado o sobe e desce da bolsa de valores do açaí naquela pedra, quem vendia mais, quem vendia menos. Informou da insatisfação dos vendedores de açaí com as empresas e seus caminhões que arrecadavam grande parte das rasas nas tardes anteriores, com a madrugada não tendo tanto açaí para os batedores da cidade que assim repassavam à população belenense. Disse que “o pessoal vai fazer uma reunião pra pará com esse negócio dos caminhão levá essa quantidade”.

Também nos chamou a atenção a moça que circulava tranquilamente naquela confusão de paneiros, sacas, carretos e pessoas com certa naturalidade. Ela sempre circula no Ver-O-Peso e Feira do Açaí para registrar a força destes lugares, veiculando em seu Instagram (que descobri e aqui compartilho seu bonito trabalho em https://instagram.com/nayjinknss?igshid=1vhz5o2j6rv9i ) e assim oferecer ao público sua arte e profissão de deixar visível o que era invisível. O sol já despontara e ela ainda procurava ângulos e nuances para assim retratar. Conversou conosco, tiramos uma foto juntos. E ela se foi no meio dos raios de sol da manhã e gritaria dos passantes.

Os colegas da Colômbia estavam observando umas rasas cobertas, gesticulando com um jovem sílabas mímicas até que eu os socorresse para tentar traduzir. O jovem assim explicou o motivo de estarem cobertos os paneiros a esperar pelo caminhão, também para não absorver o odor do local compartilhado com a venda de carne. Ele explicou sua rotina de trabalho: chegava na feira às 4 horas da tarde, madrugava na labuta e voltava para a sua casa às 10 horas da manhã. “E dormes?”. Ele disse que sim, um pouco, pois já tinha que voltar para a Feira, pegando uma hora e meia de ônibus, cruzando a grande Belém.

O rapaz disse que na safra era um tempo bom de finanças, pois chegava a pegar em média 100 reais por dia. “Uma vez peguei até 250 reais”, se gabou. Terminava o dia cansado de tanto carregar rasas e mais rasas, nem sabe a conta de quantas cargas carrega e descarrega dos barcos que chegam. Confessou que já tinha sido preso, desde antes dos 18 anos e depois mais alguns anos na vida adulta. Quando constituiu família, prometeu “sair daquela vida” e passou para o ramo do açaí como carregador daquela feira. Disse que quando se tornasse pai, daria tudo o que fosse preciso para seu futuro filho, sem lamentar muito o fato de não ter tido pai que o acompanhasse desde pequeno. “Ó, aquele ali é meu padrasto”, apontou para um homem que contava uma carga recém-chegada. O jovem orgulha-se de sua mãe professora que muito batalhou por ele e que um dia iria também se formar. “A Feira do Açaí é uma Outra Mãe pra mim, aqui todo mundo se conhece e se defende”.

Com a desenvoltura com que se apresentou, surgiu-me a ideia de sugerir (ahh esses metidos a empreendedores sociais) que ele pudesse juntar-se com outros e colocar um crachá no peito para explicar como funciona a Feira do Açaí, assim, tipo um guia, sabe? Poderia ser uma graninha a mais nesta mini-palestra para os inúmeros turistas que lá visitam e que desejam saber mais sobre o açaí e sua magia.

“Por que você e seus amigos não se organizam? Pode dar certo”. 

“Não tenho mais meus amigos. Eles morreram na mão da milícia”.

Calei fundo.

Depois desse instante triste no subtom da conversa, voltou alegre com o semblante de que na virada de sexta pra sábado mais açaí iria ter e deste modo poderia levar uns trocados a mais pra casa. Como já íamos, a comitiva toda o cumprimentou como a quem cumprimenta um nobre cavalheiro, no respeito e na reverência de quem sabe como é dura a batalha pela vida.

E assim fomos. Todos seguiram para as suas lidas.

Os colombianos.

A senhora do café.

A moça da câmera.

O rapaz do carreto.

As rasas.

Todos frutos da mesma palmeira.




Pantoja Ramos.





Imagem: Belém, Ver-o-Peso de madrugada. Foto: Fred Ferreira. 



domingo, 15 de setembro de 2019

Declaração do Comitê Sul-Americano da UICN sobre a crise de incêndios em vários ecossistemas naturais da América do Sul


É isso que queremos perder com nossa ganância? Foto: Carlos Ramos.

A União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) é uma União de membros composta exclusivamente por organizações governamentais e da sociedade civil. Ele fornece às organizações públicas, privadas e não-governamentais o conhecimento e as ferramentas que possibilitam o progresso humano, o desenvolvimento econômico e a conservação da natureza .
Criada em 1948, a IUCN evoluiu para a maior e mais diversificada rede ambiental do mundo. Aproveita a experiência, os recursos e o alcance de suas 1.300 organizações-membro e a participação de  15.000 especialistas.

Preocupada com as queimadas na Amazônia, a IUCN publicou no dia 6 de setembro de 2019 uma declaração aos países da América do Sul, que a seguir transcrevemos traduzido do espanhol para o português.




Declaração do Comitê Sul-Americano da UICN sobre a crise de incêndios em vários ecossistemas naturais da América do Sul

Do Comitê da América do Sul da IUCN, expressamos preocupação e alarme pelos incêndios extensos e agressivos nos ecossistemas naturais da Amazônia, florestas tropicais e subtropicais secas, o Cerrado, o Pantanal, o Chaco e o Páramo Andinos que devastam milhões de hectares de florestas e pastagens.

Diante dessa situação premente, pedimos:
- À comunidade internacional, governos, mercados e sociedade em geral, para assumir os limites biofísicos do planeta em face do crescimento e do modo de desenvolvimento predominante que promove a desigualdade social e o uso insustentável de recursos natural, colocando em risco a sobrevivência das sociedades humanas e do mundo como a conhecemos agora;
- Às comunidades e sociedade civil, para promover uma mudança urgente de paradigma que assumia o valor intrínseco da natureza e passe a considerá-lo o maior patrimônio para gerações atuais e futuras, garantindo serviços ecossistêmicos e capacidades de adaptação às mudanças climáticas;
- Aos Governos em todo o continente sul-americano, para priorizar a conservação do patrimônio natural dos países, respeitar seu povo, descartar atividades condições econômicas insustentáveis  ​​que impulsionam o desmatamento e a queima e para que promovam políticas e regulamentos para o uso sustentável do território, de acordo com sua capacidade, respeitando valores naturais, áreas protegidas e biodiversidade.

Declaramos que:

1. As conseqüências geradas pelos incêndios na região violam os direitos dos sociedade para um ambiente saudável, afetando a saúde e a qualidade de vida da população urbano e rural;
2. As partículas finas geradas pela fumaça dos incêndios impactam saúde da população e da vida selvagem, causando lesões nos olhos, coração e migrações respiratórias e animais podem expandir doenças e particularmente algumas zoonoses;
    3. A perda de vegetação natural em áreas protegidas e territórios indígenas leva à destruição e degradação da biodiversidade e perda de serviços ecossistêmicos, afeta fontes de água, impulsiona processos de erosão e desertificação e viola nossa capacidade de avançar em direção à adaptação baseada no ecossistema;
    4. Incêndios nas florestas amazônicas, áreas secas tropicais e subtropicais, savanas e Mouros andinos, estão contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa responsável pelas mudanças climáticas com impacto global, regional e local; interrompem o ciclo de nutrientes e o ciclo hidrológico; afetam a fertilidade do solo e condições climáticas, como chuvas, vitais para a produção agricultura e segurança alimentar;
   5. Comunidades indígenas e locais, comunidade científica e organizações ambientalistas são aliados-chave nos processos participativos de gerenciamento de riscos baseados em ecossistemas, tanto na prevenção, análise de danos e perdas quanto recuperação da biodiversidade (ecossistemas, espécies) e comunidades afetado.
  6. Aderimos e apoiamos os manifestos e declarações das comunidades científicas, ambientais e sociais que fazem apelos à ação urgente neste estado de emergência e promovem a recuperação de ecossistemas danificados e comunidades afetadas.

Apelamos aos Estados:
1. Sobre incêndios em ecossistemas naturais.
- Priorizar a atenção ao combate a incêndios e suas conseqüências, solicitando e aceitar ajuda internacional para alcançá-lo no menor prazo possível.
- Não adote uma postura partidária na análise das causas e consequências desta crise de incêndio. As reações e medidas para resolver este problema. Eles devem ser baseados nas melhores evidências científicas disponíveis.

2. Sobre a gestão de áreas devastadas por incêndios.
- Interromper a venda e a alocação do uso da terra nas regiões afetadas pela incêndios, a fim de avaliar o impacto de maneira objetiva, técnica e legal produzido.
- Garantir que nessas regiões a alteração do uso original não seja ativada, permitindo a recuperação e convidando a comunidade ambiental e acadêmica a acompanhar sua restauração com objetivos claros e verificáveis, com diretrizes que evitem uso da terra afetada por incêndios na agricultura, pecuária e colonização e envolvendo as comunidades locais.
- Estabelecer um programa internacional e interinstitucional que envolva a comunidades locais e contemplar a geração de conhecimento e avaliação de danos e perdas resultantes de incêndios, bem como recuperação e restauração nas áreas afetadas com base nas espécies nativas da fauna e flora de cada ecossistema.
- Garantir a qualidade de vida da população afetada, cuidando dos impactos sobre a saúde e favorecendo o desenvolvimento de práticas sustentáveis ​​e resilientes em nível local.

3. Sobre políticas públicas.
- Revisar as políticas e regulamentos públicos de cada um dos países que contradizem os acordos internacionais, como a Convenção sobre Diversidade Biológica, Mudança Clima, Desertificação e Secas, entre outros, e retardam a consecução dos Objetivos da Desenvolvimento sustentável; é preciso modificar o modelo extrativista  atual contrários ao patrimônio natural e produção e consumo responsáveis.
- Fortalecer as medidas de proteção, para garantir a proteção das áreas que não foram afetadas por esses incêndios graves.
- Garantir a conformidade com os regulamentos existentes que buscam manter a gestão sistemas de produção sustentáveis, respeitando a proteção das florestas e desencorajando práticas insustentáveis.
- Garantir as condições de vida da população, levando em consideração os impactos na saúde e seu bem-estar geral.
- Parar os ataques contra defensores de direitos humanos e ambientais, bem como fazer cumprir as leis que os protegem no desenvolvimento de suas atividades pela bem comum.

Do Comitê Sul-Americano da IUCN, rejeitamos as acusações, sem evidências ou fundamentos que alguns governos fizeram às organizações ambientais, ligando-os à provocação de incêndios. Nossos laços como organizações da sociedade civil estão mais fortes do que nunca para apoiar-se nesta emergência.

Várias organizações membros da IUCN na América do Sul já estão em ação, com um impacto efetivo no campo, demonstrando outra abordagem à gestão territorial, onde a valorização e conservação da natureza é possível e necessária para o desenvolvimento sustentável.

Da mesma forma, reiteramos a disposição do Comitê Sul-Americano da IUCN e de suas organizações a continuar contribuindo com suas capacidades técnicas e a favor de uma maior articulação entre organizações da sociedade civil, cientistas, organizações indígenas e camponesas, comunidades e governos locais, pela implementação das medidas aqui estabelecidas.


Comitê Sul-Americano da IUCN
Contato nos países afetados:
Comitê Brasileiro da IUCN
Comitê Boliviano da IUCN
Comitê Paraguaio da IUCN
Comitê peruano da IUCN