terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Crônicas do Corte: Uso de Madeira Para Fins Sociais



Em 1998 consegui o título de engenheiro florestal pela então Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, hoje Universidade Federal Rural da Amazônia. Somadas as frases de colegas mais novos do tipo "nossa, você é do tempo da FCAP!", com a recente "agora você é vovô", cai uma ficha do tamanho de uma roda de caminhão que não está ali mais um jovem e potencial engenheiro. Putz, o tempo passou.

De uma base em estatística intensa (hoje quase diluída), matematizada de equações de crescimento e projetada para plantações de florestas nativas e manejo florestal madeireiro empresarial, minha formação sofreu uma guinada ao decidir por Gurupá, no Marajó e não tentar a continuidade de um doutorado quem sabe no exterior. De uma minoria que éramos, surgia naquele final de anos 1990 e inicio de anos 2000 o grupo de engenheiros florestais que desejavam o manejo florestal comunitário na Amazônia.

E dessa opção, confesso, mais aprendi do que ensinei. De mestres trabalhadores e trabalhadoras rurais, tenho conversado bastante sobre o mundo, suas físicas e metafísicas. Tudo muito natural de ser absorvido na ciência florestal que exercitava. E viajando, olhando, reparando, percebia no interior a comercialização de madeira como algo que poderia gerar grandes receitas para o próprio local. Ponta do lápis, cadernos, calculadoras, comparação com a Instrução Normativa do IDEFLOR sobre preços de madeira em pé, eis que milhões de reais anuais de nossas florestas acabam sendo subtraídos de municípios inteiros sem a devida arrecadação. Mas isso muitos já sabem, ou se não sabem, já desconfiam.

Como militante de que o manejo florestal comunitário poderia ser uma alternativa viável de desenvolvimento local, ajudei na elaboração de planos de manejo comunitários sempre no propósito da venda. Nos comitês de defesa desta modalidade, palestras, esta era sempre a ideia. Porém, foi numa visita a uma família no rio Acangatá, em Portel, que tomei o susto: antes de vender, estruturar; antes de sair, ficar. O resultado de alguma experiência adquirida no assunto.

Uma casinha ali de uma parede em meio a centenas de balsas das madeireiras indo e vindo com toras de ipê, angelim, maparajuba, verão a verão. Então, como o manejo florestal comunitário e familiar que eu defendo poderia conviver também com a casa de comunitários de apenas uma parede? Não se pode repetir o que tem sido feito pelo grande capital,


Uma casinha, 
solitária,
naquele rio
de uma parede
na sua prece
pros homens pede
"por que não aquece
a minha dona?
Tão senhorinha,
tão pobrezinha,
algumas tábuas
pra aquele quadro,
pra sua rede
tão desbotada.
Um assoalho
para seu neto,
ali brincar,
e saltitar
e um lambril,
para contar
que a sucupira
fofocar".

Uma casinha
acolhedora
pra uma mulher
trabalhadora...



Nossa proposta sempre foi outra, de um manejo florestal comunitário e familiar como agente de desenvolvimento local, mas no limpo, não tem atuado na melhoria das residências.

Casa de ferreiro, espeto de pau? Casa de manejador, casas malmente casas?

As associações comunitárias não podem obter lucro com a venda de madeira segundo sua composição perante a lei, o que não as impediria de fazer manejo florestal comunitário para estruturar as casas de seus associados, cumprindo o papel social das florestas, como assim prevê o Novo Código Florestal (artigo 23). Mas para tal, há de existir o conhecimento, há de ter o manejo florestal em prol do que é essencial para os agroextrativistas: uma casa digna.

As políticas públicas existem para a habitação rural.

As técnicas de manejo florestal também.

A organização social persiste.


É momento de construir uma nova casa para o manejo florestal comunitário e familiar na Amazônia.

Falamos da Floresta.

Falamos dos Bens e Serviços da Floresta.

Nunca mais uma casa de uma só parede para uma família.

Se é para voltar a ser jovem e militante, vamo lá!

3 comentários:

  1. Boa Carlos. .Vamos juntos por um manejo coerente e não contraditório. ..

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  2. exatamente, sempre deixarei meu explicito descontentamento, quando chego em uma localidade que trabalha com manejo florestal comunitário e me deparo com grandes homens e mulheres em situações de "descaso" à sua dignidade, saúde e educação. Situações bem distantes das bases fundamentais da "SUSTENTABILIDADE" . Por um manejo mais justo e coerente a quem da a vida para manter nossas florestas de pé.

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  3. Muito bom sua reflexao...sua análise. Mas isso só há de acontecer se houverem pessoas DEDICADAS e PERSEVERANTES, que acreditem NO SONHO de vidas melhores. Eu conheci o MARAJÓ há uns 16 anos atrás, e desde lá me APAIXONEI pela natureza, riqueza, beleza dos riose igarapés e pelas Florestas com seus animais e biodiversidade. Mas ao mesmo tempo me deparei com a pobreza, falta de estrutura, saúde precária, analfabetismo em alta escala....e isso me SENSIBILIZOU MUITO ao ponto de assumir um compromisso comigo mesmo de me dedicar à região e procurar ajudar am melhorias, dentro do possível com ações e atitudes de minha parte obtendo parcerias governamentais ou demais parceiros institucionais. Trabalhando na região como Tecnico em Agrimensura e Cartografia, em parceria com alguns Engenheiros Florestais que prestavam serviços à algumas emopresas e prefeituras, começei a DIVULGAR os PLANOS DE MANEJOS COMUNITÁRIOS COM ENFASE A NÃO MADEIREIRO. MAS, o objetivo era no inicio do "PROJETO" fazer retirada SIM da madeira, mas de forma sustentavel atraves do Manejo Florestal. Consegui, após alguns anos legalizar MICROSERRARIAS DE RIBEIRINHOS e VÁRIOS PLANOS DE MANEJO. Necessitavamos de apoio, para darmos continuidade à esse PROJETO, mas INFELIZMENTE isso não ocorreu. Eu me acidentei, saí da região e as coisas voltaram AO QUE REA ANTES........exploraçao ILEGAL E IRREGULAR. >>>>>ESTAMOS DE VOLTA TENTANDO REORGANIZAR NOVAMENTE<<<

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