quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Assis e Mendes


Belém, 2006

Outro dia, minha mãe interpelou-me:
- Meu filho, esse trabalho de defender a natureza e da causa ribeirinha é uma luta sem fim! Difícil de vencer. O homem é um tipo muito ruim.
Ao olhar o céu de uma noite pontilhada, contei-lhe que sonhara com São Francisco de Assis encontrando Chico Mendes, lá na sala de espera dos mártires.
Chico indagou ao Chico como foi que o segundo foi parar naquele setor. Mendes, esboçando um sorriso, respondeu que por ganância de alguns fazendeiros de sua terra, tornou-se ameaça e acabou assassinado. Nada mais fizera do que defender seu povo e sua floresta para que houvesse no futuro um povo e ainda uma floresta.
Chico de Assis elogiou Mendes por cumprir sua função na Terra, bom soldado da paz e de Deus. Mendes ponderou que mesmo assim estava preocupado com o rumo que as coisas iriam ter, uma vez que o fato de ter ido embora mais cedo poderia diminuir a resistência de sua luta.
Assis - mirando-o com a severidade de um gavião-real - advertiu Mendes que deixasse a pouca fé de lado e que seu desprendimento não seria jamais em vão. Pedindo os olhos da coruja emprestado, lá de cima Mendes e Assis viram o começo tímido de uma nova era de harmonia entre os homens e a Criação, olhando de dentro para fora de si.
Mendes observava as discussões surgidas após seu martírio. Descartados os pavões, aproveitadores como sempre para se apresentarem como tais, ficaram somente os joões-de-barro com a tarefa de construir uma nova época de convivência. Mendes sorriu mais amplo e Assis balançou a cabeça negativamente, perguntando ao amigo como era possível Mendes acreditar que outros não viriam, determinados, estrelados como ele, talvez não históricos para os demais homens, mas notavelmente registrados no Livro da Vida, da Função.
Mendes concordou que eram muitos os que avistava, semelhantes a formigas em números. Assis concluiu que esse era o único modo de incomodar Tamanduás maiores e mais poderosos que as comeriam se não se juntassem. “A natureza é sabia”, definiu. Deus é sábio.
- Meu filho, tomara que um dia isso tudo se torne verdade.
Disse a minha mãe:
- Então olhemos com mais carinho para as formigas.



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