Santa Cruz do Arari. Fonte: Imagem: http://terpesquisa.blogspot.com.br/2010/03/transporte-escolar-em-santa-cruz-do.html
João Paulo Carvalho
(Mestre em Agricultura Familiar e Desenvolvimento Sustentável)
Carlos Augusto Ramos
(Engenheiro Florestal, consultor socioambiental)
João Paulo Carvalho provoca:
“Em toda a América Latina, os Movimentos Sociais refletem em suas práticas ações de caráter educativo que tem servido de exemplo para a sociedade em geral, assim como formas de gerenciamento nas instituições públicas, em especial no Brasil, onde as políticas públicas voltadas ao âmbito rural estão sendo promovidas através de espaços decisórios que envolvem a sociedade civil organizada, destacando-as como protagonistas nestes processos, seja através de Conselhos ou Colegiados, e demais formas de decisão.”.
Carlos Augusto Ramos comenta:
“A democracia brasileira avançou muito ao convidar a população para fazer parte dos Conselhos. Assim, educação, saúde, segurança pública, ordenamento territorial não são mais objetos de poucas cabeças pensantes e executoras, mas são olhares de diversas maneiras, multidisciplinares e populares para avaliar e indicar a forma mais benéfica para o alcance dos resultados de uma política pública para o meio rural”.
João Paulo Carvalho:
“Os Movimentos Sociais são fontes de inovação e matriz geradora de saberes que se revelam através do que se conhece como educação não-formal, pois não estão centralmente alicerçadas em critérios científicos. Na verdade, produzem seus conhecimentos com base em suas experiências cotidianas de luta, seja pela manutenção alimentar, como na luta política por conquistas de direitos civis (por exemplo, o direito a uma escola pública, gratuita e de qualidade), que há muito tem sido negada pelo próprio Estado, como também – e não dissociável desse - por forças políticas que são historicamente contrárias a tais conquistas”.
Carlos Augusto comenta:
“O questionamento, o posicionamento e a mobilização passaram a ser ferramentas científicas do movimento social, talvez um contraponto sistemático de boa parte do que é ofertado pelo Estado. Interessante notar o esforço para estreitar de ideias e entendimento comum entre o movimento social e as políticas federais de educação nos últimos 5 anos. Por outro lado, muito aumentou a distância sobre o que é educação inclusiva e transformadora quando o diálogo é feito com a esfera governamental estadual, que boa parte das vezes interfere no método municipal de ensino”.
J.P.C:
“Na atualidade do Território do Marajó se presencia o fortalecimento de um articulado movimento social que se constitui pela prática social de luta por direitos civis e políticas públicas. Desde o processo histórico de luta por ruptura com as históricas oligarquias do Marajó - por meio da criação de sindicatos rurais, na década de 1970 - passando pela luta por ordenamento territorial, na década de 2000, o Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó, o CODETEM, é um grande espaço de decisão e intervenção política no Marajó. Por meio de sua prática política tem formado homens e mulheres que intervém diretamente em seus municípios de origem, e isto tem sido um exemplar processo de educação não-formal”.
Escola Manoel da Veracruz, Curralinho (Foto). C.R
C.A.R:
“De fato, quanto mais organizado o território, mais condições têm de propor e interferir positivamente no alcance de benefícios à população. Vejamos o caso do Marajó, internamente: a parte ocidental da mesorregião, mais organizada e combativa obteve melhores resultados em regularização fundiária quando comparado com a outra porção do território, cuja insegurança da terra é ainda muito presente no cotidiano dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. O mapeamento participativo para o ordenamento territorial incentivado por diversas instituições não governamentais como associações, institutos e STTRs foi decisivo como instrumento de educação não formal para o aprendizado sobre a problemática fundiária e que resultou na clareza das propostas dos processos coletivos de ordenamento fundiário, hoje representadas pelas reservas extrativistas, projetos de assentamentos agroextrativistas e territórios quilombolas. Não se trabalha isso na educação formal universitária de engenheiros agrônomos e engenheiros florestais, porém, quando aplicado de forma sensata, os resultados aparecem”.
J.P.C:
“Forjado também na luta por educação, o CODETEM tem reivindicado diante dos governos e demais instituições de ensino a contextualização de ações públicas. Em 2012, na cidade de Portel, se organizou um amplo debate sobre educação no Marajó, momento no qual novamente se caracterizou a difícil situação desse espaço amazônico. Neste contexto, foram elaboradas várias pautas reivindicativas junto aos órgãos competentes, na tentativa de dialogar com os mesmos e, assim, apresentar o anseio desse Movimento à sociedade em geral. Um olhar marajoara sobre a educação conduziu os debates nesse encontro”.
C.A.R:
“O Encontro do Olhar Marajoara sobre a Educação foi importante para discutir as estruturas educacionais atuais em que vive o marajoara. Na liderança do Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó, várias lideranças expuseram suas opiniões a respeito, num clamor de reconhecimento da cultura regional como base para a educação dos estudantes”.
J.P.C:
Além da contextualização do processo educacional - a qual entendemos que se dá através de uma pedagogia que considere a nossa realidade social, econômica e ambiental, e que pode acontecer também por meio da Pedagogia da Alternância, por se tratar de um projeto que objetiva aproximar os jovens do seu convívio familiar e diversidade cultural local - consideramos imprescindível uma abordagem sustentável neste formato de educação que defendemos. Os malefícios do modelo de desenvolvimento simplista e meramente econômico adotado em nossa sociedade tem sido prejudicial ao ambiente e à humanidade. Esse crescimento econômico não é compatível com o bem viver e com o ritmo natural do meio ambiente. Este estilo de desenvolvimento é desastroso, pois assassina, corrompe, aniquila tudo o que o homem e o ambiente construíram ao longo de processos históricos”.
C.A.R:
“Palavras certas de João Paulo ao referir-se ao aniquilamento. Aniquilamento de toda uma cultura milenar em nome da condução mercantil, estranha e excludente por sua natureza especulativa. A partir do Olhar Marajoara sobre a Educação de 2012, tornou-se necessário para os marajoaras organizar ainda mais os debates sobre o método de ensino-aprendizagem, agora com perfil mais construtivista, mais participativo. Lutar para que as únicas experiências de Casas Familiar Rural (Gurupá e Breves) se mantivessem, ao mesmo tempo que se valorizasse e aprimorasse o programa Saberes da Terra (Portel e São Sebastião da Boa Vista) como uma resistência, um propagador de alternativas de pensamento a formar cidadãos críticos, senhores e senhoras de sua realidade”.
Casa Familiar Rural de Gurupá. Foto: Carlos Ramos
J.P.C:
“Este modelo devastador tem sido caro ao Marajó. O negativo impacto que as empresas madeireiras e palmiteiras ocasionaram – e ainda persistem – é latente nos índices de desenvolvimento social do Marajó. Vasta riqueza social, ambiental, cultural, política e econômica está sendo tragada, deixando o rastro de pobreza para as famílias locais que labutam nessas atividades, enquanto que o empresariado comemora os altos faturamentos. E o que mais nos entristece é que a Ciência e a Tecnologia estão a serviço desse dito desenvolvimento”.
C.A.R:
“Modelo que deu caução à Era da Indústria Predatória no Marajó (1950-2006), tentativa pretensiosa minha de explicar o período entre o fim da Era da Borracha e o Sistema Contemporâneo, que inicia com a publicação em massa das reservas extrativistas e assentamento agroextrativistas na região em 2006. Tal período talvez seja a de maior empobrecimento das comunidades e municípios marajoaras em nome de poucas pessoas, empresariado do setor madeireiro e de palmito que transferiram o capital acumulado vindos dos estoques naturais para as capitais como Belém e Macapá, deixando para o Marajó enormes dificuldades de recuperação e uma dependência econômica dos empregos vinculados às prefeituras. Para Portel e Melgaço, a Era da Indústria Predatória se esticou até 2013, quando da investida maior do IBAMA nestes municípios”.
J.P.C:
Por isso, reivindicamos que a produção de conhecimento esteja a serviço de um real desenvolvimento sustentável das famílias marajoaras. Reivindicamos também uma pedagogia educacional que esteja pautada na sustentabilidade dessas famílias, realçando a cultura e o conhecimento gerados localmente, e que se preocupe com o futuro dessa sociedade e cuide da saúde do planeta. Para nós, isso é uma educação sustentável”.
C.A.R:
“Uma ciência à serviço da sociedade marajoara. Uma educação não mercantil e pautada no desenvolvimento local”.
J.P.C:
“Em nosso entendimento, uma educação sustentável pode acontecer por meio de uma instituição pública, gratuita e de qualidade. Pública, porque acreditamos que todos os jovens marajoaras devem ter acesso à educação, e isso é possível através do financiamento do Estado brasileiro. Gratuita, pois através do financiamento do Estado, nossos jovens não precisarão pagar altas mensalidades em instituições privadas de ensino para obter um certificado de ensino superior – a privatização do ensino está cada vez mais forte no Brasil. De qualidade, porque o Marajó precisa de excelentes profissionais em diversas áreas para podermos dar um salto na qualidade de vida local. Compreendemos que jovens marajoaras bem qualificados profissionalmente são excelentes promotores de desenvolvimento.
C.A.R:
“É dever do Estado Brasileiro dar celeridade ao processo de transformação educacional que seja orientado no modo de vida regional, previsto na Constituição Brasileira. Bem verdade que existem diretrizes na política federal neste sentido, entretanto, é sofrível a presença do Governo do Estado do Pará nesta estratégia. Ao contrário, o enfraquecimento do ensino médio no Marajó em conteúdos, desvalorização dos professores e professoras e abandono físico das escolas são bastante visíveis atualmente, o que reforça a sensação de que os ideólogos que ocupam o mandato executivo estadual estão alinhados em privatizar a educação e aumentar propositalmente as desigualdades regionais. Paradoxalmente do ponto de vista humano, aumentam o aparelhamento das polícias e instrumentos repressores, além de emparceiram-se com uma mídia alienante, excludente e incentivadora da hostilidade gratuita ao jovem infrator, sem debater as origens de sua condição de vida”.
J.P.C:
“Não apenas sonhamos. Mas temos como possível que uma instituição federal de ensino no Marajó pode favorecer a concretização das pautas que estamos demandando. A criação de cursos que dialoguem com nossa realidade – e mais ainda, que formem os filhos de famílias rurais marajoaras, contempla boa parte de nossos anseios. Dessa forma, defendemos uma instituição de ensino para o Marajó que esteja comprometida com a realidade social que enfrentamos, comprometida com os movimentos sociais locais e com a sustentabilidade que o Marajó precisa. Por isso, entendemos que nos últimos anos, o IFPA, em seu campus de Castanhal e recentemente de Breves, tem dado respostas substanciais para a formação de profissionais com perfis agroecológicos coerentes com a sustentabilidade marajoara”.
Colação de grau dos concluintes do curso de Licenciatura em Pedagogia 2010 e 2011 no IFPA de Breves. Fonte: http://breves.ifpa.edu.br/component/content/article?id=121
C.A.R:
“Se não é o IFPA em seus campi de Castanhal (programa Proeja onde vários estudantes do Marajó fazem o curso de técnico em agropecuária) e Breves, o ensino ofertado para a juventude no Marajó fecharia a segunda década do século XXI com saldo bastante negativo. Por isso é preciso enfrentar o modelo estadual de sucateamento do ensino médio. Por isso é preciso sensibilizar as prefeituras em manter os bons índices quando constatados e aperfeiçoar o que precisa melhor, tudo para gerar boas notas de IDEB. Mais do que isso, dar condições ao ser humano que estudou possa interpretar o mundo em que vive, suas contradições e belezas”.
Oficina de plano de uso dos recursos naturais em Portel. Foto: STTR de Portel.
J.P.C & C.A.R:
“É moralmente necessário investir no Marajó em educação contextualizada, sustentável, pública, gratuita e de qualidade! ”.
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