Lamberto, o Traumatizado, no retirar do pó de suas velhas caixas de bagulhos, ruínas antigas de uma saudosa infância, encontra um maço de papéis embolado pelo tempo. "Olha, que bacana, meu dinheiro de carteiras de cigarro". Lá estavam as marcas que guardariam os cigarros de seu pai e vizinhos, instrumentos de câncer para uma época mal avisada destes perigos. A propaganda falava mais alto na televisão do que a tosse seca do leito hospitalar. Lamberto mostrou a Bom Colares, o ancião amigo-quase-pai que vivia com ele.
"Carlton, Minister, Hollywood, John Play Special, Camel..., legal". "Bora apostar na peteca?", desafiou Lamberto. Os dois procuraram bolinhas gude até as encontrar em um saquinho plástico. Uma divertida e rememorada brincadeira povoou aquela tarde onde testemunhavam o filho de Lamberto, Simone (outro traumatizado), Shana (outra traumatizada) e sua filhota Maria Aneci, a serelepe menina de 7 anos.
No outro dia resolveram jogar novamente, desta vez com todos da casa.
"Vamos brincar de Banco Ordinário" - chamou Lamberto.
"Banco Imobiliário o senhor quer dizer", tentou corrigir Simone. Bom Colares, que rápido pescou a ideia, reforçou: "é Banco Ordinário Mesmo".
"Vai Colares, eu sou Aquele que Manda no Governo e você o Grande Banco Ordinário".
"E a gente?", perguntou Aneci.
Lamberto orientou: "vocês serão O Povo, mas você minha filha Aneci, é a Juventude deste Povo tá?".
"Tá, vô".
"Banco Ordinário, escuta só, Aquele que Manda no Governo que sou eu avalia que não é possível manter as despesas do Povo só com aquilo que ele contribui (Simone e Shana deram uns maços de Hollywood - o cigarro do sucesso cof cof cof ), tu me emprestas dinheiro?".
"Empresto sim, com todo o prazer; toma aqui", respondeu o Banco Ordinário e lançou na mesa uma bolada de carteiras de cigarro só das altas notas, John Play Special, Carlton e Camel...".
"Beleza, agora eu cubro os custos do Governo e eu, Aquele que Manda no Governo, principalmente mantenho meus privilégios. Ah Povo, já ia esquecendo, pega o teu", e jogou uma notas de Hollywood (O Cigarro do Sucesso!) todas amassadas e algumas até rasgadas para Simone, Shana e Maria Aneci. Continuou: "Ó, os juros que o Governo cobrará deste empréstimo serão de 14% ao ano", sentencia Aquele que Manda no Governo.
Shana, uma parte do Povo, se intromete: "mas foi o Governo que pediu dinheiro emprestado, não seria o normal o Banco Ordinário (quem emprestou) apontar os juros de seu empréstimo?".
Maria Aneci coçou a cabeça e concordou: "é...".
Simone entrou na onda dos questionamentos, sempre estudioso que era: "e 14% ao ano tá alto né? Nos Estados Unidos não passa de 0,25%, até na Índia é menor, 7%.".
Shana pulou: "é, se é o Governo que decide os juros, devia colocar era pra baixo, não pra cima, pois quem dá dinheiro ao Governo é o Povo, Simone e eu que somos os lascados que trabalham! Assim você enriquece mais e mais o Banco Ordinário às nossas custas".
Maria Aneci botou a mão no queixo: "hummmm...".
O Banco Ordinário olhou para Aquele que Manda no Governo com sorriso amarelo e disse: "ih, descobriram nosso esquema, e agora?".
"Tudo bem, a gente vai baixar os juros, desculpa aí". Estavam com as mãos cheias de maços.
Silêncio.
"Minha jovem, que tal colocar uma carteira de Minister, um pouco do seu dinheiro todo mês no Banco Ordinário pra quando você ficar velhinha pegar de volta?". Sugeriu à Juventude Aquele que Manda no Governo novamente piscando para o Banco Ordinário.
A menina esperta pulou fora: "sai pra lá, se o Povo diz que dá dinheiro pro Governo é também pra ajudar quando a gente ficar velho né? Aquele que Manda no Governo e o Banco aí só querem achar um jeito novo de enganar o Povo, trocando os juros pela minha aposentadoria".
"Ih Sujou!".
O Banco Ordinário e o Aquele que Manda no Governo fugiram.
Todos riram.
Depois de passado o riso, os três se entreolharam sérios.
O Homem, a Mulher e a Juventude do Povo...
Sem Traumas.