“Uma gente que não
se corrige.
Não se
convencem que não
deve
queimar os campos.
Porque...
Ouviste?
Psiu...
Porque...
Esteriliza...
Ouviste?”.
Dalcídio Jurandir / Chove Nos Campos de Cachoeira.
Caríssim@s
Varela, Arlete, Marinete, Tourinho, Rosalina,
Ao
sobrevoar o Marajó entre Belém e Afuá, ou a caminho de Macapá, sempre procuro
mergulhar os pensamentos naqueles vastos campos a perder de vista, tentativa de
enganar o medo que me acompanha desde a infância no ato de voar. E nessa paz
observo imenso verde, os rios, os lagos que oram vivem, oram morrem, só não o
maior de todos chamado Lago Arari. Estranho,
nesses 15 anos de idas e vindas minhas, parece que ele está secando ou a minha
visão me engana? Mestre Varela, já bem avisaste que é preciso perenizar o
grande lago marajoara[2], assim
como alertas que é preciso primeiro conhecer para amar algo ou alguém, então
não amamos ainda o estuário do maior rio do mundo e seu formoso arquipélago, o
maior flúvio-marinho do planeta.
As
expedições do professor Rubens Lima e Manoel Tourinho nos anos 1990[3], pouco
midiatizadas, mas de uma importância fundamental para o entendimento das várzeas
amazônicas, também mostram claramente a necessidade da população abraçar o
Marajó enquanto beleza natural e fragilidade em ecossistema: seus solos eutróficos,
ricos em matéria orgânica são diretamente relacionados ao trabalho de
carreamento feito pelos rios locais, marés que sobem e descem neste equilibrar
de sedimentos. São terrenos que ainda escondem nossa História, o que Denise
Schaan[4] já
demonstrou, porém, sem a aceitação oficial de que nossos sítios arqueológicos
precisam de cuidados, o que vale para a riquíssima cultura e memória das comunidades dos campos. São
os Campos do Marajó, portanto, um presente para animais e plantas, homens e
mulheres, um berçário por exemplo das várias espécies de peixes que circulam
pela região a nos alimentar como o jiju dos livros de Dalcídio Jurandir, que um
peixe maior come, que outro maior ainda come, até chegar aos Bagres Migradores
(Filhote, Piramutaba, Dourada) que engordam no estuário e vão bater longe,
algumas vezes lá nos Andes[5].
Por tal, temos ali um ecossistema
fabuloso, cheio de vida, distinto, que veio antes da fazenda, antes do búfalo,
muito antes de nós seres humanos na região. Então, porque não perenizar? Por
que não proteger? Ao estudar o mapa do SICAR Pa, o sistema paraense que
gerencia o Cadastro Ambiental Rural no Estado e bisbilhotar na parte de áreas consolidadas, deparei-me com o
posicionamento daqueles que se inscreveram no sistema autodeclarado de CAR que
os campos do Marajó e a adjacência próxima ao Lago Arari não são antes de tudo
campo natural: são áreas consolidadas, explicadas em suas legendas como sendo para
fins de agricultura ou pecuária.
Se o Cerrado Amapaense já sofre com
os desmandos dos governantes que o jogaram às raposas famintas do agronegócio
para os plantios de soja e eucalipto[7], ao que
parece, a bola da vez são os campos marajoaras. Talvez não com a sojicultora, nem
“florestaranas” (falsas florestas, as plantadas de eucaliptos), quem sabe a
trama seja para o arroz em grande escala, laboratório que há na sede municipal
de Cachoeira do Arari chancelada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente a
cercar aquela localidade[8]. “Não
tem para onde crescer esta cidade”, proseiam comigo os cidadãos que moram ou
passam por lá.
Certo que o cenário não é bom para o
marajoara que entende que é preciso manter a paisagem natural formada há milhões
de anos. É possível que uma avalanche de impactos socioambientais e econômicos
cheguem à toque de caixa nos quatro cantos do Marajó por grandes projetos,
marca dos últimos tempos, de fragilização de direitos fundiários e ambientais
no Brasil (Estado que não é Nação desde que aprovou a emenda constitucional que
limita por 20 anos os gastos públicos). As pesquisas em petróleo na Costa de
Chaves, Soure até o norte do Amapá, a encostar nos recém-descobertos recifes
amazônicos[9]; a
intenção de aumentar a rizicultura no Marajó na mesma metodologia de
licenciamento ambiental e de uso de agrotóxicos começada em Cachoeira do Arari;
os portos de transbordo da soja projetados e que já causam especulação por
terra e perigo à manutenção da paisagem natural[10]; a
predileção pelo termo “áreas consolidadas” dentro dos cadastros ambientais
rurais em detrimentos dos campos naturais; os “hunos” que vem do Arco do Desmatamento de Belo Monte numa
insana ação de grilagem, ameaças e destruição, que o diga o PDS Liberdade na
divisa entre Portel e Pacajá[11]; o uso
do CAR para grilar[12]. Todos
exemplos infelizmente do dia a dia de quem acredita em um Marajó mais justo,
mas que mostra neste fim de década a inexorabilidade da mão do “patrão”,
colonizador (latifundiário e escravocrata sob diferentes formas), patriarca
(machista) e acumulador de dinheiro (empobrecedor economicamente de muitas vidas).
Se o Estado do Pará é hoje altamente
dependente de empresas[13], a
ponto de ser refém de uma empresa de recolhimento de lixo, e mesmo o governo
federal não ser mais confiável para conservar seus recursos naturais e proteger
as populações que dela dependem, talvez tenhamos que oferecer um olhar
internacional para a questão. Em 2011 o debate sobre a Reserva da Biosfera do Marajó[14] não logrou
êxito, talvez porque naquele momento histórico, a luta contra a malária, o
desafio de sensibilizar as autoridades para o baixo número de médicos para
atender a população, o questionamento da educação altamente deficitária ofertada
e o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes eram as pautas
urgentes a serem enfrentadas. Além disso, o Governo do Estado do Pará ao
assumir a pasta da Reserva da Biosfera, ao invés de promover um amplo e
esclarecedor debate sobre as vantagens e desvantagens da RB, criou um embaraço
chamado Parque Estadual do Charapucu, em Afuá, na ânsia de atender
condicionantes da candidatura do Marajó, sobrepondo a um Projeto de
Assentamento Agroextrativista do INCRA, cujo decreto de destinação ocorrera 1
ano antes da criação do referido parque. Até hoje famílias e técnicos coçam a
cabeça para tentar ajustar modos de vida e as categorias de ordenamento
territorial no Charapucu. Um atendimento de requisitos para a candidatura do
Marajó à Reserva da Biosfera que começou de maneira não tão satisfatória e que não teve a população empoderada do processo.
Entretanto, pode ser que agora seja a
hora de reconhecer internacionalmente o Marajó como um bem valioso de toda a
humanidade, aliás todos nós reconhecemos ser a Amazônia um daqueles grandes
talentos que o Criador nos presenteou e que sofre novamente com a sana de
grandes e mirabolantes projetos, cheios de falsos salvadores. É preciso mudar
tal estratégia. Precisamos de uma mudança de Era, oportunidade em que se irmana
cada vez mais o pensamento de proteção da natureza, apregoada por lideranças
mundiais e regionais, seja no Laudato Si[15],
do Papa Francisco I; seja no aprofundamento da discussão sobre o Bem-Viver (como
o que ocorre neste instante em Tarapoto, no Peru, em seu Fórum Pan-Amazônico); tempo
em que os países se posicionam diante do Acordo de Paris, uns mais senhores de
nossas responsabilidades diante da Biosfera, outros teimosos e cegos até,
influenciados pelo capital financeiro, a depender de seu líder. Trump determina
que não seja obedecido o Acordo de Paris, e assim caminha a Humanidade...
Nessa resistência de manter um
ambiente sadio para as próximas gerações, a sociedade marajoara não deveria lutar
para que seu fabuloso território fosse reconhecido mundialmente como um patrimônio
da vida terrestre? Construir o protagonismo dos moradores locais diretamente
neste diálogo junto à UNESCO[16]? Desta vez sem
tantos intermediários governamentais, uma vez que o Estado de Exceção se
instalou no país. Quem sabe sendo Reserva da Biosfera, o Marajó passaria a ser
realmente valorizado pelo Estado Brasileiro, com a devida pressão dos olhos do
mundo.
“Marajonosfera”, Reserva Planetária
da Vida.
Marajó,
oxalá, Reserva da Biosfera.
[1] Engenheiro Florestal,
Consultor Socioambiental, natural de Portel; consultor da FETAGRI Regional
Marajó e Comissão Pastoral da Terra/ regional Marajó.
[3] Considero
tais estudos uma das últimas grandes expedições, dignas daquelas que povoavam
minha infância regada a Júlio Verne e filmes de Indiana Jones, só que de carne,
osso e tenacidade.
Recomendo ler : LIMA, R. R. e TOURINHO, M. M. Várzeas da Amazônia Brasileira: principais características e
possibilidades agropecuárias. Belém: FCAP. Serviço de Documentação e
Informação, 20p. 1994a.
[5]
Vejam o caso da piramutaba (Brachyptalystoma
vaillantii): a região do Estuário Amazônico concentra 77%
dos indivíduos, mas sua migração pode chegar até 1.000 km rio Amazonas adentro
– ver http://pt.aguasamazonicas.org/fish/piramutaba/
.
[6]
Palaeodrainage on Marajó Island, northern Brazil, in relation to Holocene
relative sea-level dynamics, dos autores Dilce F. Rossetti, Márcio M.
Valeriano, Ana M. Góes e Marcelo Thales – ver em http://www.dsr.inpe.br/marajo/palaeodrainage.pdf
[10] A
Companhia Loius Dreyfus , grande empresa
transnacional de commodities, comprou terras no Marajó, possivelmente em Ponta
de Pedras, http://www.valor.com.br/agro/4878686/dreyfus-aposta-em-marajo-para-crescer-no-arco-norte
[14] Reservas
da Biosfera são áreas de ecossistemas terrestres e costeiro-marinhos ou uma
combinação desses, reconhecidas internacionalmente dentro da estrutura do
Programa Homem e a Biosfera (MaB) da UNESCO - Marco Estatutário das RBs; hoje o
Brasil conta como Reservas da Biosfera reconhecidas pela UNESCO: a Mata Atlântica
e o Cinturão Verde da Cidade de São Paulo; O Cerrado; O Pantanal; A Amazônia
Central e a Serra do Espinhaço, no Estado de Minas Gerais – ver em http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/natural-sciences/environment/biodiversity/biodiversity/
.
[15] Vale
a pena ouvir a versão da encíclica em formato radiofônico, publicado em http://redamazonica.org/pt-br/laudato-cuidado-nossa-casa-comum/
[16] Órgão das Organizações das Nações Unidas que atua nas
seguintes áreas de Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais,
Cultura e Comunicação e Informação.
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