Alunos da antiga Escola Família Agrícola de Afuá, fechada em 2007
por falta de recursos. Foto: FASE (Sérgio Costa, 2000)
“Nós somos
parte da terra
A terra é
parte de nós
Um é a
extensão do outro
Nós não
vivemos a sós...
Com muita
sabedoria
Diziam
nossos avós
Se
cuidarmos da terra
A terra
cuida de nós”.
Grupo
Imbaúba de Carimbó[1].
Carlos Augusto Ramos[2]
Caríssim@s Carla, Rita, Olavo, Maria, Irineu e Vanda,
No último texto que faço
desta série Marajó, Reserva da Biosfera,
deixei propositalmente a explicação para o final do que é uma Reserva da
Biosfera, uma vez eu precisava antes de tudo avaliar (não somente
problematizar) a formação do Marajó enquanto ambiente natural, enquanto povo
até hoje auto identificado[3] e os
riscos que essa história sofre pelos grandes projetos que se aproximam,
notadamente os campos marajoaras, com provas no sistema de Cadastro Ambiental
do Estado do Pará. Também precisava analisar a floresta do Marajó e sua riqueza
ainda presente, apesar da garimpagem madeireira[4] e do
próprio conhecimento insuficiente pelos habitantes da região sobre o patrimônio
florestal que possuem. Em comum, a necessidade de uma educação libertadora, não
mais hermética para combater novas ondas destrutivas. A foto da Escola Família Agrícola veio bem a calhar: lá se formaram várias lideranças afuaenses que obtiveram grandes conquistas na luta pela terra.
Segundo a Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, o Programa Homem & Biosfera (Man
and the Biosphere Programme – MAB) tem como objetivo o uso racional e
sustentável, conservação dos recursos da biosfera e melhoria da relação geral
entre as pessoas e seu meio ambiente com bases nas ciências naturais e sociais[5]. Há de
se entender que Biosfera é o conjunto de ecossistemas existentes na Terra[6], tratando
assim da região do planeta habitável por todos os seres vivos.
No programa Homem & Biosfera da UNESCO, as Reservas da Biosfera são estabelecidas
para promover e demonstrar uma relação equilibrada entre os humanos e a
biosfera[7]. Tais
reservas reconhecidas pelo Conselho Coordenador Internacional do Programa MaB, com
pedido pelo país interessado, sem perda da sua soberania nacional[8]. Em
resumo, é um Título Mundial de
Reconhecimento pela ONU que naquela determinada região do planeta existe respeito
dos seres humanos em relação às demais formas de vida existentes. No Brasil,
elencam-se como RBs Reservas da Biosfera a Mata Atlântica e Cinturão Verde da
Cidade de São Paulo, o Cerrado, o Pantanal, a Caatinga, a Amazônia Central e a Serra
do Espinhaço[9].
Uma vez reconhecidos
internacionalmente na Rede Mundial de Reservas de Biosfera, o Programa MAB da
UNESCO se esforça para:
a) Identificar e avaliar as
mudanças na biosfera resultantes de atividades humanas e naturais e os efeitos
dessas mudanças na vida local e seus efeitos no contexto das mudanças
climáticas;
b) estudar e comparar as
inter-relações dinâmicas entre os ecossistemas naturais / quase naturais e os
processos socioeconômicos, avaliando-se perdas de diversidade biológica e
cultural e suas consequências para a continuidade dos serviços dos ecossistemas
para o ser humano;
c) garantir o bem-estar nos processos de rápida
urbanização e do consumo de energia;
d) Promover o intercâmbio e
a transferência de conhecimentos sobre problemas e soluções ambientais e
promover a educação ambiental para o desenvolvimento sustentável.
Sobre as suas funções, entendi
em minha pesquisa que as reservas da biosfera devem se esforçar para serem locais
de excelência de uso da natureza em escala regional a partir:
a) da conservação, onde se
contribui para a conservação de paisagens, ecossistemas, espécies e variedades
genéticas;
b) do desenvolvimento: com
fomento do desenvolvimento econômico e humano que seja sociocultural e ecologicamente
sustentado;
c) do apoio logístico para
promover projetos demonstrativos, educação ambiental e capacitação, pesquisa e
monitoramento do uso sustentável dos recursos naturais da região, com olhares locais,
regionais, nacionais e globais de conservação.
Ao que parece, no papel,
trata-se de um programa mundial fascinante. Um olhar distinto da ONU em certas
áreas do planeta por seu valor histórico-cultural-ambiental, com valiosa
intenção de apoiar o fortalecimento da educação local. Mesmo tendo eu algumas
críticas conceituais sobre o termo “desenvolvimento” que a ONU apresenta, mal
hábito de palavra que o presidente dos EUA Harry Truman deixou legado e que
condenou bilhões de pessoas à fome pelo mundo, talvez os itens funcionais
descritos acima sejam estrategicamente o que mais precisa o marajoara neste
momento, mas é bom saber se é isso mesmo que deseja a população. O valente José
Varella, por exemplo, lançou uma petição pela internet sobre a indecisão do
estado do Pará se lançaria ou não a candidatura do Marajó como Reserva da
Biosfera. Na petição considera:
“...Em vista da falta de
atenção pelas autoridades a respeito do dispositivo citado, durante reunião
preparatória para a I Conferência Estadual e Nacional de Meio Ambiente,
ocorrida na cidade de Muaná a 8 de outubro de 2003, a sociedade civil pediu
providências para criação da Reserva da Biosfera do Marajó pelo Programa “O
Homem e a Biosfera” (na sigla em inglês MaB) da UNESCO. Até hoje, assim como a
APA resta apenas no papel, a candidatura da Reserva da Biosfera ainda não
chegou à Comissão Brasileira do MaB, em Brasília...”[10].
Apesar da boa iniciativa, feita
em 2014, de uma pessoa consciente como Varella que provoca a sociedade a se
mexer, apenas 99 foram os apoiadores no site de petição para cobrar do Pará a candidatura do Marajó. É fato que
precisávamos ajudar mais (e aqui ponho minha culpa também) numa campanha como
esta, esclarecendo a sua importância para o hoje e o amanhã. Mas vejam só: como
alguém que pega uma surra de carapanã e decide comprar um mosquiteiro ou aquele
que amarrou sua canoa e não levou em conta a maré e aí inundou a montaria, aqui
e ali escuto as falas, as prosas nas ruas, rios e igarapés, que o Marajó
precisa ser melhor defendido. Ao ler projetos de puro estilo tecnocrata que se
esgueiram em direção território marajoara, julgo que nem o país, muito menos o
estado do Pará, podem ajudar a curto prazo neste meio de campo no evitar de
novas maneiras de coronelismo e degradação, uma vez que o aparelho estatal hoje
não está consonância com a vontade popular e sim com a das grandes empresas,
sejam bancárias, de grandes obras ou da agricultura de larga escala[11].
Nas indicações de que os
campos marajoaras estão comprometidos como áreas consolidadas ao agronegócio
segundo o SICAR, com o aumento de conflitos agrários por conta da insegurança
da terra (mesmo das áreas já regularizadas)[12]; no
incômodo da possibilidade da circulação de navios petroleiros e os perigos
ambientais que trazem consigo na costa marajoara de Chaves e Soure; da
discussão de estradas cortando o Marajó em um Estado que tem dificuldades
imensas de dialogar com a sociedade sobre impactos causados pelas vias que
criam[13]; do
Conselho (consultivo, ressalte-se) da Área de Proteção Ambiental do Marajó que ainda
está se montando e já recebendo pressão do agronegócio segundo publicação no
Jornal O Liberal de 18/08/17, coluna Repórter 70, vejo que é justificável
internacionalizar o debate.
Pode parecer estranho, mas
internacionalizar a discussão marajoara de conservação de seus recursos
naturais e povos da floresta surge porque a capacidade governamental de
dialogar com quem vive aqui está em péssima fase. Além disso, de uma certa
forma, a internacionalização de nosso futuro já acontece com os estudos da The
Nature Conservancy (TNC, ONG oriunda dos Estados Unidos) para o programa Pará
2030 do Governo do Pará intitulado PARÁ
2030: Desenvolvimento de cenários de uso da terra e estimativa de custos de
implantação da agenda de desenvolvimento verde no Estado do Pará, que tem
parcerias empresariais norte-americanas, chinesas e europeias. Lembro que li o folder do Programa Pará 2030 e achei
estatisticamente sofrível a conta de que menos de 200 pessoas reunidas em
seminários deste novo programa decidiram a vida de 8,2 milhões de paraenses
pelos próximos 13 anos. Pode parecer futurista a ideia, mas não é: trata-se de
uma metodologia de inclusão de pessoas de 30 anos atrás. Com todas as contradições
socioambientais que a palma (plantios de dendê) trouxe para Acará, Moju e Concórdia
do Pará, não desejo que Portel, que está tentando a duras penas se libertar da
garimpagem madeireira, seja atacada pelo agronegócio da Palma[14]. Quem
deu legitimidade à TNC e a AGROICONE apresentar ao Governo uma proposta de
arranjo produtivo como a palma sem debater com os portelenses? Esse tipo de
procedimento institucional é bastante ultrapassado (estou sendo gentil).
Pará 2030-Para-Trás.
Se não nos convidaram (os
trabalhadores e trabalhadoras rurais do Marajó) para festa, então vamos entrar
de penetra dançando carimbó e botar todo mundo na roda, onde todos são iguais. Ao
auto reconhecer o Marajó como Reserva da Biosfera, diremos quais são as áreas
de proteção ambiental[15], quais
as áreas de uso sustentável[16], os
projetos estratégicos para nós[17],
simples e essenciais.
A população precisa estudar
mais a estratégia de proteção que é ser uma Reserva da Biosfera.
Não por causa dos
governantes. Nem do título em si.
E sim, porque os marajoaras desejam
abraçar a sua terra e memória como tesouros, neste açaí que corre em nossas
artérias.
A “Marajonosfera” é uma
Reserva Planetária da Vida.
Marajó, Oxalá, Reserva da
Biosfera.
Belém, 18 de agosto de 2017.
[1] O
Grupo Imbaúba, formado por Celdo Braga, Rosivaldo Cordeiro, João Paulo Ribeiro,
Roberto Lima, Sérvio Túlio e Sofia Amoedo, é um trabalho musical acústico,
basicamente instrumental, que reúne em seu repertório músicas de autoria
própria, compostas a partir da sonoridade da natureza (música orgânica), como
trinado de pássaros, farfalhar de folhas, batidas de sapopemas, enfim, de sons
e ruídos que ocorrem na floresta, temperados pela magia e pela mística que
emanam do universo amazônico - Saiba mais visitando o site www.imbauba.art.br
[2]
Engenheiro Florestal, consultor socioambiental.
[5] Conceito
verificável no site da UNESCO, em http://www.unesco.org/new/en/natural-sciences/environment/ecological-sciences/man-and-biosphere-programme/about-mab/
[8] A
Rede Mundial de Reservas da Biosfera é composta por 631 reservas da biosfera
localizadas em 119 países, incluindo 14 sítios transfronteiriços/transcontinentais
- http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/natural-sciences/environment/biodiversity/biodiversity/
[9] Verificável
no site da UNESCO Brasil - http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/natural-sciences/environment/biodiversity/biodiversity/
[10]
Ver em site de Petições Charge: Apresentação
da Candidatura do Marajó para Reserva da Biosfera da UNESCO - https://www.change.org/p/governador-e-canditados-ao-governo-do-estado-do-par%C3%A1-apresenta%C3%A7%C3%A3o-da-candidatura-do-maraj%C3%B3-para-reserva-da-biosfera-da-unesco
[11]
Para Zygmunt Bauman, “os governos vivem presos entre duas pressões impossíveis
de reconciliar: a do eleitorado e a dos mercados. Eles têm medo de que, se não
agem como as bolsas e o capital móvel querem, as bolsas quebrarão e o dinheiro
irá a outro país. Não se trata apenas de que possa haver corrupção e estupidez
entre os nossos políticos, mas sim que essas situações os deixam impotentes. E,
por isso, as pessoas buscam desesperadamente novas formas de fazer política - http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/bauman-talvez-estejamos-em-plena-revolucao/
.
[12]
Veja o caso da Reserva Extrativista Mapuá em https://www.brasildefato.com.br/2017/04/12/cadastro-ambiental-e-usado-para-legalizar-grilagem-na-ilha-de-marajo/.
[13]
Como exemplo, o Governo do Estado do Pará através de sua Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia, caminha a passos largos para implantar uma estrada de ferro sem escutar comunidades da floresta, pensando-se interligar Açailândia, no Maranhão, ao Porto Vila do Conde, no município de
Barcarena, com um traçado de 477 quilômetros e um custo estimado em cerca de R$
7,8 bilhões. Segundo uma líder comunitária quilombola que vive na região do
projeto, “ninguém, nem do governo e nem da empresa, nos procurou para
conversar, mas tive a preocupação de visitar outros lugares que já sofrem com
os impactos de ferrovias. Vi que coisa boa não tem. O que mais me impactou no
Maranhão foi ver os igarapés destruídos. Tenho esperança que a linha não passe
por aqui” - https://fase.org.br/pt/informe-se/noticias/pa-quilombolas-temem-construcao-de-ferrovia/
.
[14] Segundo
estudos de Elielson Silva, os biocombustíveis foram, durante alguns anos,
considerados uma escolha benéfica para o planeta. No entanto, seus efeitos
colaterais se mostraram outra perversa realidade. Em recente diretiva da
própria União Europeia, o uso de biocombustíveis nos combustíveis foi reduzido para
7%, após o reconhecimento de que os agrocombustíveis ou biocombustíveis
competem com a produção de alimentos, contribuem para as mudanças climáticas e
forçam mudanças no uso do solo. Para Elielson Silva ““Existe o discurso de que
o dendê seria a redenção econômica da região (Moju, Acará, Tailândia, Concórdia
do Pará), de dinamizar e promover transformações, incluir a agricultura
familiar, mas constatamos inúmeras contradições, na prática não é bem assim. Os
direitos territoriais estão ali sendo disputados por vários atores. Existe um
incentivo oficial para a produção de dendê porque o Brasil não tem uma produção
que atenda à demanda interna – chegamos a importar óleo de palma da Colômbia. O
país quer se projetar internacionalmente com a produção de biocombustíveis, mas
por outro lado quais são os custos para se fazer isso?”, questiona. Ver em http://midiaeamazonia.andi.org.br/artigo/efeitos-do-monocultivo-do-dende-na-amazonia
; ver também file:///C:/Users/CARLOS%20RAMOS/Documents/BIBLIOTECA/DISSERTA%C3%87%C3%95ES%20E%20TESES/DENDE%202015_Dissertacao_Elielson.Pereira.da.Silva.pdf
[15]
De forma atrapalhada, o Governo do Estado do Pará criou em 2010 o Parque
Estadual Charapucu, Afuá, em área onde já estava decretada um ano antes o
Projeto de Assentamento Agroextrativista do INCRA de mesmo nome, sem a devida
consulta às famílias locais, nem justificativa socializada a contento da
escolha daquele local para uma unidade de proteção integral. Após recomendação
do Ministério Público Estadual, o IDEFLOR-BIO e comunidades locais passaram a
reunir para ajustar a referida unidade de conservação de modo a não prejudicar
a população local. Como acompanhei a confusão no seu início, lembro que o
Parque teria também o objetivo de atender às condicionantes da UNESCO de
criação de zonas núcleos. Foi um mal começo. A problemática do Charapucu retrata um dilema
existente entre os órgãos ambientais que criam e gerenciam unidades de
conservação no país ao relacioná-los aos conceitos de Reserva da Biosfera da
UNESCO. As autoridades brasileiras, de maneira geral têm levado a discussão de
RB para o preservacionismo, com dificuldades de incluir a socioeconomia das
populações que gira no redor destas unidades, aspectos que se inserem entre as
características de RB previstos pela UNESCO de conservação, desenvolvimento e
apoio logístico
[16] O
Marajó detém 37% de seu território de 10,4 milhões de hectares com
regularização fundiária e 96% de sua área coberta de florestas, ainda em
condições de abrigar pesquisas e práticas de longo prazo de manejo florestal,
manejo de recursos pesqueiros e dar retorno socioeconômico aos cerca de 500 mil
habitantes viventes em 16 municípios.
[17] A
energia solar é um dos destes projetos estratégicos, sintonizados com meios de
vida sustentáveis e que precisam contrapor o uso dos combustíveis fósseis – ver
http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2014/04/o-determinante-das-riquezas-futuras.html
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