"A Dona Aranha subiu
pela parede,
veio a chuva forte e a
derrubou.
Já passou a chuva, o sol já
vem subindo
e a Dona Aranha continua a
subir...".
Cantiga Popular
Carlos Augusto Ramos[1]
Ponta de Pedras, 05 de janeiro de 2018.
Caríssim@s,
O ano
de 2017 marcou para mim um momento em que o lutador percebe de onde vieram os
socos. Não que desconhecesse a luta, afinal, faz parte da profissão de
pelejador. Só que mudando-se drasticamente as regras em 2016, a partir do Golpe
Parlamentar-Jurídico-Midiático – onde o adversário passou a utilizar métodos
sujos, juízes da luta aparentemente coniventes com essa nova jogada, e uma
parte da plateia estranhamente torcendo para um patrocinador lá fora – tudo se
tornou espetáculo[2].
O lutador quase nocauteado teve em 2017 aquele lapso mágico de tempo para
entender o que estava se passando e se refazer em nova estratégia, depois de
uma teima danada consigo mesmo que as lições de antigos treinadores precisavam
ser rapidamente ajustadas.
É hora de reagir.
No
respirar fundo, sem raiva, consciente dos golpes, uma trabalhadora começa a
analisar que o lixo acumulado ao lado daquele canal poderia ser colocado numa
grande caixa tampada e não espalhado pelo chão, deleite dos urubus e dos
ratos. Que o caminhão poderia coletar
essa grande caixa tampada e levar adiante, e não todo lixo exposto ser
arrastado pela pá do trator que cobra a hora-máquina, comendo vorazmente mais
dinheiro público[3].
Dinheiro público previsto que em 2017 foi destinado em 50,66% para o pagamento de bancos privados, enquanto o saneamento
básico teria a migalha de 0,04%
deste Orçamento Geral da União (?). Nem sequer metade de 1%.
O jogo é cada vez mais compreendido.
- Em 2017 o Governo Federal repassou de seus cofres aos 16 municípios marajoaras o montante de R$ 862.350.385,63 (oitocentos e sessenta e dois milhões, trezentos e cinquenta mil, trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e três centavos);
- Em 2017, o IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/) estima uma população de 548.634 (quinhentos e quarenta e oito mil, seiscentos e trinta e quatro) habitantes no Marajó;
- Assim, o investimento da União para cada marajoara no ano passado foi de R$ 1.561,01 (hum mil, quinhentos e sessenta e um reais e um centavo), o que dá mensalmente R$ 130,08 (cento e trinta reais e oito centavos) para os que vivem em MIBARAIÓ (nome original do Marajó)[4].
No esmiuçar deste processo de repasse
federal desde 2010 aos municípios como Melgaço, Curralinho, Anajás, Bagre e
Portel, fico a imaginar tamanha restrição atual de recursos, quando o problema
não é (e talvez nunca tenha sido) a carência, de fato, de recursos, e sim a
intenção de distribuí-los de maneira justa. Em 2017, o país perdoou a dívida de
25 bilhões de reais do Itaú[5], equivalente
a 25 anos em valores atuais, do que foi destinado aos rincões marajoaras!
Ademais, a falta de sapiência dos “salvadores
da pátria” (e seus mirabolantes projetos de desenvolvimento) não lê que a causa
do estrangulamento está em Brasília e quando olham a própria terra, não
concluem a origem de nossa pobreza. Portel, por exemplo, é a pura contradição
de suas riquezas: movimentação de 217 milhões de reais com madeira em tora[6] sem a arrecadação
em Imposto Sobre Serviços (que varia de 1 a 5% da nota fiscal movimentada no
transporte) à altura das necessidades do município. São 10 milhões de reais
arrecadáveis que se juntados aos 16,9 milhões de reais de Fundo Participação
dos Municípios em 2017 ajudaria no suporte para a população local.
Prefeito, vereadores e moradores do
Marajó, sinto dizer, mas somos todos precariados.
Solução? Sozinho, não tenho; juntos, teremos.
Anajás e Bagre acenderam a luz amarela em relação à
malária: sinal este que as fontes oficiais não têm mostrado à sociedade, pois
desde setembro de 2016 (ano do Golpe) os dados de monitoramento relacionados a
esta doença pararam.
A luz está amarela também para quem cava a informação: para
bisbilhoteiros como eu, digo que estamos às escuras. No país real[7], R$ 1.861,37
e R$ 1.257,57 por morador de Anajás e Bagre, respectivamente, são investidos
nas diversas áreas sociais e dar conta de enfrentar uma sempre perigosa malária[8].
Vale relembrar e lamentar a Emenda constitucional 95, que instituiu em 2017 o congelamento dos gastos públicos por longos 20 anos[9] – obra canalha, que se soma às recomendações de austeridade do Banco Mundial, incluindo a privatização das universidades públicas[10]. Num ambiente em que metade do orçamento é destinada ao mercado rentista, que se desdobra em trocar tal fonte de renda pela aposentadoria do povo brasileiro, não há como evitar a sentença: Égua! Pensa numa gente canalha...
Enquanto
isso, Melgaço – município apontado no último censo do IBGE como o de pior IDH
do país – tem sofrido queda nos repasses federais por habitante. Existe no meu bobo jeito de ver afronta maior que possa existir ao pacto federativo e à Constituição de 1988 em
seu 3º Artigo: “...Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –construir uma
sociedade livre, justa e solidária; II–garantir o desenvolvimento nacional; III–erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais...”.
Achei
um pequeno dicionário jurídico em casa, no meio do material de estudo de minha
esposa. Lá achei a explicação incrível do termo “Desobediência civil”:
Seria
esta uma possibilidade diante do atual clima de ilegitimidade - revestido de
aparente legalidade?
Ah, Dona Aranha, como és inspiradora!
"Ela é teimosa e desobediente. Sobe, sobe, sobe e nunca está
contente...".
[1]
Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, nascido em Portel, registrado
em Belém, criado no Jari.
[2]
Fiz rápida analogia do boxe, analítico amador que sou. Sugiro ler a visão dos
enxadristas como a de Luís Nassif - https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-maior-golpe-da-historia-por-luis-nassif
[3]
Poderia duvidar do paraense Diário On
Line e sua parcialidade política dos fatos, mas o que dizer dos lixões
espalhados na capital? Não dá para negar que é preciso mudar a visão política sobre o que é real e imediato em Belém - http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-268045-hora-de-um-novo-olhar-sobre-o-lixo-da-grande-belem.html
[4]
Nome antigo do Marajó em tupi-guarani - https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/marajoara/
[7] Ariano
Suassuna (autor de O Auto da Compadecida
- que Deus o tenha) falava sobre a existência de 2 Brasis: o real, aquele do
cru e nu cotidiano da grande maioria dos brasileiros e o oficial, fantasioso,
das cenas, lutado pelo poder às custas da carestia brasileira. Um clube.
[8]
Consegui informações da malária em 2017 junto às lideranças locais. Verificável
em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/10/malariometro-reage-ajude-preencher.html
[9]
Grazielle David faz uma ótima análise em http://outraspalavras.net/brasil/por-que-revogar-a-emenda-constitucional-95/.
Fiz uma breve contribuição em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/07/a-linha-da-cobica.html.
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