quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Sobre os Repasses Federais aos Marajoaras 2017: PARTE 1





"A Dona Aranha subiu pela parede,
veio a chuva forte e a derrubou.
Já passou a chuva, o sol já vem subindo
e a Dona Aranha continua a subir...".
Cantiga Popular


Carlos Augusto Ramos[1]

Ponta de Pedras, 05 de janeiro de 2018.

Caríssim@s,


                O ano de 2017 marcou para mim um momento em que o lutador percebe de onde vieram os socos. Não que desconhecesse a luta, afinal, faz parte da profissão de pelejador. Só que mudando-se drasticamente as regras em 2016, a partir do Golpe Parlamentar-Jurídico-Midiático – onde o adversário passou a utilizar métodos sujos, juízes da luta aparentemente coniventes com essa nova jogada, e uma parte da plateia estranhamente torcendo para um patrocinador lá fora – tudo se tornou espetáculo[2]. O lutador quase nocauteado teve em 2017 aquele lapso mágico de tempo para entender o que estava se passando e se refazer em nova estratégia, depois de uma teima danada consigo mesmo que as lições de antigos treinadores precisavam ser rapidamente ajustadas. 


É hora de reagir.


No respirar fundo, sem raiva, consciente dos golpes, uma trabalhadora começa a analisar que o lixo acumulado ao lado daquele canal poderia ser colocado numa grande caixa tampada e não espalhado pelo chão, deleite dos urubus e dos ratos.  Que o caminhão poderia coletar essa grande caixa tampada e levar adiante, e não todo lixo exposto ser arrastado pela pá do trator que cobra a hora-máquina, comendo vorazmente mais dinheiro público[3]. Dinheiro público previsto que em 2017 foi destinado em 50,66% para o pagamento de bancos privados, enquanto o saneamento básico teria a migalha de 0,04% deste Orçamento Geral da União (?). Nem sequer metade de 1%.



O jogo é cada vez mais compreendido.


Após estudar o Portal da Transparência do Governo Federal (http://www.portaltransparencia.gov.br/), foi possível a conta:


  • Em 2017 o Governo Federal repassou de seus cofres aos 16 municípios marajoaras o montante de R$ 862.350.385,63 (oitocentos e sessenta e dois milhões, trezentos e cinquenta mil, trezentos e oitenta e cinco reais e sessenta e três centavos); 
  • Em 2017, o IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/) estima uma população de 548.634 (quinhentos e quarenta e oito mil, seiscentos e trinta e quatro) habitantes no Marajó; 
  • Assim, o investimento da União para cada marajoara no ano passado foi de R$ 1.561,01 (hum mil, quinhentos e sessenta e um reais e um centavo), o que dá mensalmente R$ 130,08 (cento e trinta reais e oito centavos) para os que vivem em MIBARAIÓ (nome original do Marajó)[4].

 



No esmiuçar deste processo de repasse federal desde 2010 aos municípios como Melgaço, Curralinho, Anajás, Bagre e Portel, fico a imaginar tamanha restrição atual de recursos, quando o problema não é (e talvez nunca tenha sido) a carência, de fato, de recursos, e sim a intenção de distribuí-los de maneira justa. Em 2017, o país perdoou a dívida de 25 bilhões de reais do Itaú[5], equivalente a 25 anos em valores atuais, do que foi destinado aos rincões marajoaras! 


Ademais, a falta de sapiência dos “salvadores da pátria” (e seus mirabolantes projetos de desenvolvimento) não lê que a causa do estrangulamento está em Brasília e quando olham a própria terra, não concluem a origem de nossa pobreza. Portel, por exemplo, é a pura contradição de suas riquezas: movimentação de 217 milhões de reais com madeira em tora[6] sem a arrecadação em Imposto Sobre Serviços (que varia de 1 a 5% da nota fiscal movimentada no transporte) à altura das necessidades do município. São 10 milhões de reais arrecadáveis que se juntados aos 16,9 milhões de reais de Fundo Participação dos Municípios em 2017 ajudaria no suporte para a população local.  

Prefeito, vereadores e moradores do Marajó, sinto dizer, mas somos todos precariados. Solução? Sozinho, não tenho; juntos, teremos. 

Anajás e Bagre acenderam a luz amarela em relação à malária: sinal este que as fontes oficiais não têm mostrado à sociedade, pois desde setembro de 2016 (ano do Golpe) os dados de monitoramento relacionados a esta doença pararam.  

A luz está amarela também para quem cava a informação: para bisbilhoteiros como eu, digo que estamos às escuras. No país real[7], R$ 1.861,37 e R$ 1.257,57 por morador de Anajás e Bagre, respectivamente, são investidos nas diversas áreas sociais e dar conta de enfrentar uma sempre perigosa malária[8].    





Vale relembrar e lamentar a Emenda constitucional 95, que instituiu em 2017 o congelamento dos gastos públicos por longos 20 anos[9] – obra canalha, que se soma às recomendações de austeridade do Banco Mundial, incluindo a privatização das universidades públicas[10]. Num ambiente em que metade do orçamento é destinada ao mercado rentista, que se desdobra em trocar tal fonte de renda pela aposentadoria do povo brasileiro, não há como evitar a sentença: Égua! Pensa numa gente canalha... 

Enquanto isso, Melgaço – município apontado no último censo do IBGE como o de pior IDH do país – tem sofrido queda nos repasses federais por habitante. Existe no meu bobo jeito de ver afronta maior que possa existir ao pacto federativo e à Constituição de 1988 em seu 3º Artigo: “...Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I –construir uma sociedade livre, justa e solidária; II–garantir o desenvolvimento nacional; III–erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais...”.






Achei um pequeno dicionário jurídico em casa, no meio do material de estudo de minha esposa. Lá achei a explicação incrível do termo “Desobediência civil”: 




Seria esta uma possibilidade diante do atual clima de ilegitimidade - revestido de aparente legalidade? 


Ah, Dona Aranha, como és inspiradora!


"Ela é teimosa e desobediente. Sobe, sobe, sobe e nunca está contente...".













[1] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, nascido em Portel, registrado em Belém, criado no Jari.
[2] Fiz rápida analogia do boxe, analítico amador que sou. Sugiro ler a visão dos enxadristas como a de Luís Nassif - https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-maior-golpe-da-historia-por-luis-nassif
[3] Poderia duvidar do paraense Diário On Line e sua parcialidade política dos fatos, mas o que dizer dos lixões espalhados na capital? Não dá para negar que é preciso mudar a visão política sobre o que é real e imediato em Belém - http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-268045-hora-de-um-novo-olhar-sobre-o-lixo-da-grande-belem.html
[7] Ariano Suassuna (autor de O Auto da Compadecida - que Deus o tenha) falava sobre a existência de 2 Brasis: o real, aquele do cru e nu cotidiano da grande maioria dos brasileiros e o oficial, fantasioso, das cenas, lutado pelo poder às custas da carestia brasileira. Um clube.
[8] Consegui informações da malária em 2017 junto às lideranças locais. Verificável em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/10/malariometro-reage-ajude-preencher.html

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