Belém, do meu escritório, 25 de outubro de 2020.
Tu sabes o que é Amnésia da Paisagem?
Sabes aquele igarapé que foi aterrado pra virar estrada? Ou aquela sumaumeira que foi tombada para virar condomínio? Tu não lembras? Ahh, não é do vosso tempo jovem? Mas seu Leonam, vizinho meu aqui do bairro da Marambaia, antes de deixar este plano, contava que existiam vários igarapés, lagos e olhos d´água no bairro. Não acreditas? Pois eu acredito dada a existência da mata da Marinha com seu fragmento de biodiversidade no meio de Belém do Pará. Lá dentro, seguem os humildes córregos, refugiados agora.
Pois então. Imagina que o rio Xingu foi livre, leve e solto até a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Aquele que mora em Altamira mantém ainda na memória o rio vibrante para homens e mulheres viverem de pescado, milagres silenciosos e rotineiros. Uma cidade pacata ela fora sem os tumultos deste cotidiano trazidos pela indústria do cimento e do vergalhão e sem a violência trazida como colateral e previsível. Aquela quietude de outrora e todo ar bucólico a cada dia, a cada ano, se desfazem como uma peça de roupa abandonada ao relento. Você não percebe de cara, mas estão a se desfazer implacavelmente.
Lembras de quando não comprava-se água? Eu recordo disso. E lembrar dessa gratuidade é sinal de resistência. Resistência aos donos da Coca-Cola que desejam transformar o pagamento da água em todo planeta uma ordem. O cúmulo e o acúmulo que marcam a face do capitalismo.
Ahhh, lá vem você falar de capitalismo!! Tão chato!
Sim, é chato. Preciso ser. Para te fazer forçar a mente de exemplos como a da comunidade Cafezal assim denominada porque a agroecologia de décadas atrás fizera famosa esta localidade e que este proceder comunal perdeu-se com o tempo para se comprar o café industrializado. Que ironia. Já pensou? Estou tomando um tinto na comunidade Cafezal de um pacote comprado no supermercado da cidade... Ananindeua tem muita árvore de anani? De onde vem o nome Afuá?
Minha infância rememora uma Portel em que o açaí se amassava na mão e era de todos. O açaí ainda é do povo? Ahh, desculpe se me enganei. Que bom que está ainda, né?
Lembras do Igarapé das Almas? Não? O pessoal de Ponta de Pedras chegava nos seus barcos e aportava dentro de Belém. Eu não testemunhei isso. Seu Bruno, de oitenta anos, me disse. Imaginem a paisagem. Não imaginam? Não viste? Ahh, o cavalheiro era dessa época e nem desenhava mais essa visão na mente? Sabia que o livro Bagaceira de Dalcídio Jurandir foi escrito no município de Gurupá pra falar da vida e de paisagens como as do rio Baquiá? Quem é esse tal de Dalcídio?
Hummm, Amnésia da Paisagem...
E me deparo triste ao escrever essas linhas. Não irei mentir, cai uma lágrima. O sol que todo dia a partir das seis da manhã despontava no meu escritório a espreguiçar meus livros e que me banhava com seus raios de luz na parte esquerda do rosto quando aqui me sentava para aguardar o computador ligar não vem mais. Hoje, demoliu-se minha troca de olhares com o alvorecer pelo soerguimento da casa do vizinho em dois andares que cobre deste momento em diante o raiar do dia no meu canto de trabalho. Não culpo o vizinho. Todos têm o direito de melhorar materialmente. A culpa é minha de ser tão abeliano.
Por tal, pintei essa crônica como autoajuda. Para auxiliar minha memória que a vida do mundo despontava luminosa bem próximo à oficina coberta em que talho as ideias.
Resistir ao esquecimento é necessário ao espírito.
Vista sua Memória e lute.
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