domingo, 30 de outubro de 2022

Não há tempo para a ansiedade, nem para o nervosismo

Eu não posso ter medo. Mas eu não posso ser insensível se alguém sofre qualquer tipo de perseguição. Hoje, essa perseguição foi sistemática. Planejada. Gerou ferimentos. Gerou gritos de socorro. 


Fui formado em engenharia, onde muitas vezes perguntam-me: "tu és engenheiro? Não parece. Discutes coisas do social". Na verdade, eu não sei se cometo justiças, mas vejo há 25 anos as injustiças. E sei quando a perversidade toma conta de autoridades. 


Eu percebo nas entrelinhas e nos subtons (como diria Saramago) quando se defende indiretamente tal método de governo. Quando se atua para tratar toda escrotidão dos últimos 4 anos como se fosse algo relacionado a uma partida de futebol. Não. Não com quase 700 mil mortes de Covid. Não com 33 milhões de pessoas passando fome. Não com os parentes mortos ou ameaçados. Não com o racismo estampado nas manchetes.  Não com a incrível coincidência do Brasil ter 851,6 milhões de hectares e o assassino de Marielle Franco ter morado no mesmo condomínio do clã Bolsodeles. Não com o desmatamento da floresta amazônica, nossa maior empregadora, estar daqui a pouco tempo em situação de inflexão. 


Hoje eu acordei sem ansiedade, nem nervosismo. Mas hoje eu acordei com uma vontade danada de enfrentar o carnaval nazista que é o Bolsonarismo direto e indireto.

domingo, 16 de outubro de 2022

Lamberto, o Traumatizado: o ópio nosso de cada dia

Lamberto, o Traumatizado, hoje almoçou na Avenida Bernardo Saião, no tumulto de carros, ônibus, carretos, bicicletas, motos e gente pra lá e pra cá ganhando a vida nos portos e nos navios.

Bateu a fome. Sentou em um restaurante modesto, mesão de madeira para que todos almoçassem juntos, na mobilização de pratos, farinha, água, pimenta e palitos de dente. O PF era bom, bisteca, arroz, feijão e farinha. Lamberto pediu uma tigela de açaí para arrematar.

Enquanto comia, guardou o celular e antenou os ouvidos para as conversas ao lado, de cabeça baixa para não expressar qualquer tipo de julgamento. Chamou sua atenção a reclamação de uma jovem senhora, por volta dos trinta anos de luta, que alto falava para suas interlocutoras, senhoras a comer e ao mesmo tempo manejar as crianças que por ali estavam. Relatou que mataram um jovem hoje de manhã cedo por lá. Segundo a jovem líder, 2 jovens em bicicletas iriam assaltar uma pessoa num carro estacionado, mas assim que aproximaram, do carro saíram homens armados e atiraram em um dos rapazes, que logo morreu, com o outro conseguindo fugir por dentro do canal.

Ela contou que sua região era muito barra pesada por causa dos traficantes e da própria polícia. Sobre esta, disse que há 10 anos, quando estava grávida de seu primeiro filho, um grupo entrou quebrando a porta de sua casa atrás de suspeitos. Que um dos fardados estapeou forte seu rosto, mesmo ela estando gestante de 6 meses. Apesar de dizer que não tinha nada a ver com aquilo tudo, nem ela, nem sua família, por pouco não recebeu novamente um tapa. Disse que passou muito mal com esta violência, temendo complicações na sua condição de esperar um bebê.

Lamberto ficou escutando essas tragédias.

“Tragédias que vão continuar”, pensou.

Deste assunto, aquela mulher pulou para outro de que abrira mão do "seguro da colônia" para não perder seu "bolsa-família". Que em anos passados, teve seu seguro de pescadora desviado de sua conta. Que chorou na Caixa Econômica para que recuperassem seu dinheiro e assim o fizeram. Em outro tema, confirmou para as demais que tudo estava muito caro. Que só não passa fome porque pinta unha, faz chopp, que não tempo pro que é mundano. Que seu marido é barbeiro, que é carregador do porto se preciso for. Uma luta. Imensa luta.

 

Lamberto levantou-se, pagou a conta e ainda escutou da jovem senhora: “por isso que vou votar no 22, pois Lula em 8 anos nunca fez nada e ainda roubou 3 trilhões de reais... Em nome de Jesus!".

 

 

 

Sem traumas (?).