segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sistemas Agrários que formaram o Marajoara - ensaio

    Foto: Suane Melo


Em 2008, o Governo Federal instituiu o Programa Territórios da Cidadania, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, classificando o Marajó como uma marca territorial. De fato, a centenas de anos os habitantes da região se reconhecem como marajoaras, identificação esta formada ao longo dos anos pelos distintos sistemas agrários que prevaleceram no Marajó, desde os Sistemas Indígenas (Schaan, 2004)[1], até o classificado como Contemporâneo (Souza, 2013)[2], passando pelos sistemas Agrário Colonial e da Economia da Borracha (Souza, 2013). Em comum a todos, a forte ligação das atividades humanas a mercê da abundância ou escassez de produtos florestais, agroflorestais e aquáticos. Desde 1950, este processo tem sido mais emblemático, como no exemplo do ápice e derrocada da indústria madeireira e do palmito, o que marcaria um Sistema Agrário da Indústria Predatória, como o próprio nome já indica, caracterizado pela falta de planejamento e sobre-exploração dos recursos naturais, favorecendo pequeno grupo de pessoas.

Historicamente esta região tem sofrido com a ausência de investimentos em infraestrutura, notadamente transporte e energia, dificultando a promoção do desenvolvimento em todas as suas dimensões. Isolamento geográfico/espacial, estagnação econômica e subdesenvolvimento político são as características que configuram a condição de abandono e pobreza do Marajó no momento atual. Mesmo os investimentos feitos no Marajó serviram para enriquecer financeiramente a poucos, em detrimento dos trabalhadores rurais e urbanos. Tal negligência estatal e mesmo da sociedade em geral por séculos acabam por manter os números de IDH e PIB como dos piores do país.

   Foto: Instituto Peabiru (adaptado)


A oficialização de Território Tradicional e Povos/ Comunidades Tradicionais a partir do Decreto Lei 6040, de 07 de fevereiro de 2007 reforça a ideia de um Marajó diferenciado: de possuir ribeirinhos que aparecem em sua origem como seringueiros, castanheiros, pescadores artesanais, indígenas além dos remanescentes de quilombos e  tipos humanos reconhecidos pela ciência como no caso do vaqueiro do Marajó (Boulhosa, 2007)[3] e dos peconheiros (extratores de açaí – Silva et. al, 2011 )[4]. Todos os citados anteriormente têm no uso da natureza a sua sustentação, influenciando decisivamente na socioeconomia histórica dos municípios marajoaras e capitais como Belém e Macapá. É neste contexto que o fortalecimento de áreas humanas, exatas, agrárias e biológicas deve encontrar campo fértil para continuar gerando novos estudos e descobertas.

A base desta nova plataforma científica pode estar na corrente mudança que vem ocorrendo desde 2002, com o início da regularização fundiária em ilhas da região, quebrando uma estrutura agrária que não reconhecia a posse das comunidades tradicionais.  A cessão de uso gratuito da Ilha de Santa Bárbara pela União aos moradores locais (2002), a criação do Assentamento Agroextrativista do Camutá do Pucuruí (2001) e a criação dos Remanescentes de Quilombos (2001), todos em Gurupá deram origem à uma enxurrada de debates sobre regularização fundiária no Marajó. Graças a estes primeiros avanços, criaram-se as Reservas Extrativistas em 2006 do Mapuá (Breves), Terra Grande Pracuúba (Curralinho/ São Sebastião da Boa Vista) e Gurupá-Melgaço, a 1ª Reserva de Desenvolvimento Sustentável Federal (chamada Itatupã-Baquiá, em Gurupá) e a partir de 2007, inúmeros Projetos de Assentamentos Agroextrativistas do INCRA e as milhares de emissões dos Termos de Autorização de Uso da SPU, indicando desta forma os processos de segurança da terra em favor das populações tradicionais como um novo Sistema Agrário Contemporâneo.

    Foto: Secretaria Municipal de Curralinho



Na observância dos ciclos agrários apresentados que tem como fundamento a sobrevivência do homem e da mulher marajoara a depender dos recursos naturais que dispõe, é o Marajó um território que precisa ter o desenvolvimento científico voltado para estas características. De políticas públicas que aperfeiçoem as tecnologias industriais a respeitar as regras de resiliência dos ecossistemas regionais. De consolidar a economia gerada do Marajó menos especulativa e mais produtiva para o bem estar da população, geradora de renda e ocupação a enfrentar os riscos sociais. De aplicação das diretrizes globais de aperfeiçoamento humano pautados nos objetivos do milênio. De uma agenda educacional baseada na realidade vivida por cada estudante do Marajó, seja morador da região dos campos, das florestas de várzea ou das áreas de terra-firme.

   Foto: Carlos Ramos





[1] SCHAAN, Denise Pahl. O povo das águas e sua expansão territorial: uma abordagem regional de sociedades pré-coloniais da Ilha de Marajó. Revistade Arqueologia, n. 17, p. 13-32, 2004.
[2] Souza, A. L. de. Evolução do Sistema Agrário da Mesorregião do Marajó: uma perspectiva sócio-histórica. Disponível em: http://www.isssbrasil.usp.br/isssbrasil/pdfs2/tcms_4.pdf
[3] BOULHOSA, M. da S. Entre a sela e o santo: um estudo sobre a identidade do vaqueiro marajoara. Dissertação (Mestrado) Ciências Sociais – Universidade Federal do Pará, 2007.
[4] Silva, R.O da; Coelho-Ferreira, M.; Jardim, M.; Lima, P.; Menezes, L. de. Pesquisa de Cadeias de Valor Sustentáveis e Inclusivas: Açaí. Instituto Peabiru, 2011. 64p. Documento Interno.

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