Acampamento do protesto contra exploração de madeira
na comunidade Repartimento dos Pilões, em Almeirim.
Belém, 11 de setembro de 2015.
A certificação FSC
(que significa em inglês Forest
Stewardship Council e em português Conselho
de Manejo Florestal) é uma garantia de mercado internacionalmente
reconhecida, que identifica, através de sua logomarca, produtos madeireiros e
não-madeireiros originados do manejo florestal responsável[1].
Todo empreendimento ligado às operações de manejo comprometido com a natureza
e/ou à cadeia produtiva de produtos florestais, dentro dos princípios e
critérios do FSC, pode ser certificado.
Criada em 1993, a
certificação florestal FSC promove em
seus princípios e indicadores o manejo florestal socialmente justo,
ambientalmente responsável e economicamente viável, com acompanhamentos de
câmaras e sub-câmaras relacionadas a estes aspectos. Em tese, tais esferas tem
o mesmo peso nas tomadas de decisões[2].
A maior parte dos
empreendimentos trabalhados pelo FSC no Brasil tem sido aqueles voltados para
as florestas plantadas, sobretudo para os plantios de eucalipto. No que se
refere à exploração de madeira nativa na Amazônia, hoje se produz 600 mil
metros cúbicos (m3) de madeira certificada por ano[3], apenas
4% da produção brasileira total[4].
Apesar da tentativa do
mercado em garantir madeira com origem sustentável, passados 22 anos de sua
criação, os números de empresas que buscam esta modalidade de certificação, as
relações entre empresas certificadas e comunidades tradicionais e a qualidade
das agências certificadoras dão mostra que é necessário uma grande repactuação
deste processo para o bem do manejo florestal na Amazônia. Como argumentos,
delinearemos os comentários nos aspectos apontados neste parágrafo.
Sobre o número de empresas certificadas, poderia
elencar dois principais motivos para a não procura pelo Selo FSC em grande
contingente: a incerteza fundiária das terras da Amazônia e a grande
ilegalidade de extração madeireira que dificulta a valorização de preços para
aqueles que praticam o manejo florestal com certificação. No entanto, em minha
própria contradição neste ato de escrever, muitas terras foram regularizadas
nos últimos 10 anos, predominantemente em favor de comunidades agroextrativistas
no formato de Projetos de Assentamentos e Reservas Extrativas no propósito de
proteger os territórios coletivamente utilizados por populações tradicionais.
Além disso, os Governos federal e estaduais implantaram suas primeiras áreas de
concessão florestal, também definindo onde empresas podem manejar a floresta
quando atendido o artigo 6º da Lei de Gestão de Florestas Públicas[5]. Nos grandes
processos em curso de ordenamento fundiário, deveria ser a incerteza fundiária
não mais um problema. Mas em 2 casos que acompanho, nos municípios de Almeirim
e Portel, a certificação florestal premiou empresas com processos de
regularização fundiária questionados pelo Ministério Público. Sendo assim, como
certificar áreas duvidosas? Em se tratando de legalidade do processo de
comercialização, recentemente uma empresa certificada recebeu autuação do IBAMA
por irregularidade na gestão de créditos de madeira. Apesar de não ser na área
certificada, como manter um selo para quem promove uma coisa em um lugar e
adota operações duvidosas em outro?
Coincidentemente, nas
regiões apontadas acima onde ocorre dúvida fundiária, existem também
conflitos envolvendo comunidades locais e empresa certificada. Como se
obedece o Princípio 2 de Direitos e
Responsabilidades de Posse e Uso e de Direitos
dos Povos? Com as organizações governamentais e não governamentais
envolvidas diretamente na resolução destas dissensões, percebe-se pouca
percepção até o momento do FSC nas de exploração madeireira em florestas
nativas.
A problemática aponta por
sua vez para a qualificação das agências certificadoras e do próprio FSC,
pois vários relatos de comunitários de Almeirim descrevem falhas de abordagem e
não isenção nas auditorias feitas na empresa certificada. O mesmo ocorre em
Portel. Lembro que são os casos que conhecemos. E os demais?
Em movimento contrário, de um novo entendimento
sobre o uso responsável dos recursos naturais, vários produtos da floresta vêm
ganhando espaço e mostrando o valor da sociobiodiversidade. Falamos de
castanha-do-brasil, de óleo de palmeiras (murumuru, babaçu, etc), frutos e derivados
de frutos de açaí (que representam bilhões de reais negociados anualmente no
Marajó e Baixo Tocantins, no Pará). Produtos que são Bens e Serviços da Floresta
(BSF)[6] para o
país por tudo que envolvem no lema de socialmente
justo, ambientalmente responsável e economicamente viáveis. São Bens e
Serviços voltados para o bem estar das comunidades amazônicas (e também da
população urbana) que da floresta dependem. BSFs que deveriam estar na pauta
principal da certificação FSC, pois caso contrário, em mantendo o predomínio atual
para a madeira nativa e eucalipto, mostra-se o selo FSC como uma ferramenta estática
diante das estratégias de desenvolvimento local, de ações econômicas menos invasivas e mais justas
tendo o princípio da valorização da floresta em pé. A floresta é mais que “produtos
madeireiros ou não madeireiros”. A floresta é um patrimônio público, um bem,
nos oferece serviços.
Existe vontade de uma
repactuação da Certificação Florestal? Há um novo olhar sobre a floresta? As
câmaras setoriais (social, ambiental e econômica) mantêm-se equilibradas em sua
participação e podem intervir em
situações graves? Como envolver mais associações comunitárias e empreendedores
sociais no debate FSC? O selo FSC terá a confiabilidade dos consumidores quanto
à origem daquilo que marca?
Normalmente não gosto de fazer textos com tantos pontos de interrogação, mas no caso do FSC, é o que o contexto pede.
Normalmente não gosto de fazer textos com tantos pontos de interrogação, mas no caso do FSC, é o que o contexto pede.
[2]Dam, Cris van. La
Economía de la Certificación Forestal:
¿desarrollo sostenible para quien? - Chris van Dam Profesor de Política Ambiental y Desarrollo Sostenible Universidad Nacional de Salta, Argentina Miembro del FSC. 2001.
¿desarrollo sostenible para quien? - Chris van Dam Profesor de Política Ambiental y Desarrollo Sostenible Universidad Nacional de Salta, Argentina Miembro del FSC. 2001.
[4] O IMAZON estima que se produz anualmente 14
milhões de metros cúbicos ano em toras no país, com grande participação dos
estados do Pará e Amazonas (86%).
[5]
Segundo o sexto artigo da Lei 11.284, “...Antes da realização das concessões
florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais
serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de: I
- criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados
os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão
de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável,
agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal
e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária; III - outras formas
previstas em lei.
[6]
Começo em 2016 a escrever sobre essa tese: não posso admitir no século XXI o termo
“Produto Madeireiro” ou “Produto Não Madeireiro”. Para a nova engenharia
florestal, há de reconhecer o papel prestado pelas florestas em seus Bens e
Serviços. Assim, castanha-do-brasil é um
BSF, açaí é um BSF, abelha sem ferrão, mais do quem bem, é um serviço de
polinização. Ganha a mata, ganha você, ganhamos todos.
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