Sementes de Andiroba, Rio Jaburu, Gurupá-Pa. Foto: FASE.
Belém, 29 de outubro de 2017.
Carlos Augusto Ramos[1]
Em setembro de 2015, escrevi sobre a certificação
florestal[2],
voltando-me para a certificação FSC
(que significa em inglês Forest
Stewardship Council e em português Conselho
de Manejo Florestal), cuja sede internacional localiza-se em Bonn, na
Alemanha[3].
Sua correspondente no Brasil (FSC Brasil) tem como missão “difundir e facilitar
o bom manejo das florestas brasileiras conforme Princípios e Critérios que
conciliam as salvaguardas ecológicas com os benefícios sociais e a viabilidade
econômica”[4].
Nos dois últimos anos, venho pensando sobre a estrutura
de garantia dos mercados em obter produtos florestais advindos do atendimento
dos princípios e critérios apontados pelo FSC, a maior certificadora no mundo
deste gênero. Cruzei pensamento com a capacidade de resposta aos
questionamentos de comunidades da floresta amazônica sobre esta certificação dada
às empresas que atuam adjacentemente. Raciocinando também sobre a
preponderância[5]
(esta é melhor palavra pelo seu significado) da extração de madeira, dos atores
envolvidos em suas câmaras (econômica, ambiental e social) e dos plantios de
eucaliptos, recomendo um caminho que leve a uma nova certificação florestal.
Mas calma. Permitam-me explicar que não trago
considerações oito ou oitenta sobre o tema.
Para o GreenPeace
(entidade conhecida pela sua forte pegada ambientalista), o FSC é o principal padrão de certificação
responsável de florestas, atuando em 80 países, em 5 continentes. Informa esta
organização que até 2013, 7% das áreas florestais do mundo - cerca de 180
milhões de hectares (aproximadamente o mesmo tamanho da Indonésia) – eram certificadas
pelo FSC[6].
Os pequenos produtores e comunidades gerenciavam naquele momento 24% de todos
os certificados de manejo florestal do FSC.
No Pará, a Associação Comunitária de
Desenvolvimento Sustentável do Rio Arimum (ASCDESRA) e a Cooperativa Mista
Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro (COOMNSPRA), rio Arimum, em
Porto de Moz, são iniciativas comunitárias que mostram ao público através da certificação
FSC que é competente para realizar o
manejo comunitário madeireiro de suas florestas. O aperfeiçoamento da logística de manejo
florestal é um dos principais resultados que o processo de certificação
promovera nesta comunidade, com ressonância em toda a Reserva Extrativista Verde-Para-Sempre.
Tecnicamente, o manejo florestal da comunidade de Arimum é exemplo a ser
seguido, inclusive pelas inúmeras empresas paraenses que possuem planos de
manejo florestais madeireiros aprovados legalmente, mas imorais quanto ao impacto que
causam.
A certificação FSC
tem suas qualidades e ajudou muitos países a disciplinar o uso de suas
florestas e promover o reflorestamento como no caso da Índia[7].
Então por que outros sistemas de certificação florestal são necessários se este
megaconsórcio funciona há décadas? É simples: Por ser mega e preponderante (lá vai eu encasquetar com esta palavra
novamente).
Estabelecido há quase 20 anos, o FSC é amplamente reconhecido como o
padrão de certificação global mais alto para o manejo florestal. Contudo, como este
vem crescendo rapidamente, cresce também as falhas de interpretação dos padrões
que exige, o que resulta em um número crescente de certificados sendo
concedidos a operações controversas de manejo florestal. Um alerta desta
problemática é o que ocorreu na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, no rio
Trombetas, Oeste do Pará, onde Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA)
ajuizou ação civil pública contra empresas madeireiras e instituição certificadora,
acusadas de não cumprir as regras do selo FSC
conforme previsão[8].
Casos existem em Almeirim[9]
e no Espírito Santo[10]
que eu testemunhei onde a certificação florestal FSC não dialogou em qualidade com o contexto local e não teve os
devidos cuidados no quesito respeito a povos e comunidades tradicionais. Também
há situações em que empresas madeireiras certificadas em determinadas áreas são bastante
questionadas pela população rural em outros rincões. São reclamações de relacionamento
com o morador tradicional da floresta e até mesmo de operações de manejo transgredidas
com tal gravidade que deveriam ter tratamento sumário de cancelamento do selo
verde[11].
Como toda monocultura é uma afronta à natureza,
seja de planta, seja de gente[12],
eis que o FSC está a passos largos (a
não ser que façam uma profunda reflexão) na homogeneização de ditames que não são
da realidade apropriada dos meios de vida locais. Por tal, surge a necessidade de
construir formas mais regionalizadas e de uso múltiplo da floresta que digam como deve ser o manejo florestal,
seja comunitário, seja empresarial. Seria tolice pensar em eliminação do FSC, mas é preciso opções para competir,
orientar, ser alternativa, o que forçaria o FSC
a também a se aperfeiçoar. Como não levar em conta que o açaí, maior
representante comercial no Brasil entre os produtos de origem vegetal[13],
precisaria de uma avaliação de qualidade e princípios feitos principalmente
pelo território que o produz? Uma vez que os marajoaras disseram NÃO à pecuária como principal atividade
tradicional de sua região e SIM às suas formas tradicionais de uso da floresta
(onde o açaí tem destaque)[14],
tenho a intuição que é possível uma certificação participativa, territorial e de caráter mais holístico,
como já ocorre em outros lugares do país[15].
Dos estudos que faço, aprendo todos os dias que se
por um lado, outras certificações de origem como a orgânica afunilam
de tal forma seus reconhecimentos a ponto de encarecer e até mesmo elitizar
quem é certificável, por outro observo que há um movimento de valorização
daquilo que é regional e histórico como no exemplo dos Engenhos de Farinha de
Mandioca de Santa Catarina[16],
uma maneira também de “autocertificação”. Além disso, no enriquecimento do
debate, outras certificações internacionais parecem entender que existem princípios
universais a serem seguidos pelo mercado, com peso significativo ao respeito
aos povos e comunidades tradicionais. A SA8000 segue este norte, tratando-se de
“...norma voluntária que se baseia em Convenções da OIT - Organização
Internacional do Trabalho, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança, e na Declaração Universal dos Direitos Humanos[17]”.
Cabe também um destaque para a International
Analog Forestry Network, na tradução algo como Rede Internacional de Silvicultura Analógica, de sede na Costa
Rica, que visa restaurar a produtividade de terras degradadas e construir novas
fontes de renda e alimentos para as populações locais. A IAFN também colabora com
agricultores familiares e comunidades para manter e restaurar suas florestas e
melhorar sua renda e subsistência, inclusive com certificação de produtos[18].
As referências mencionadas anteriormente são apenas
uma mostra das oportunidades existentes para motivar construções sobretudo amazônidas
de certificações territoriais, na prerrogativa de dizer aos mercados nacionais
e internacionais sobre nossas capacidades de proteger nossos recursos naturais
e conhecimento tradicional. Com a aprovação da Lei 13.123, de 20 de maio de
2015, que fragiliza o debate sobre a proteção do patrimônio genético e
conhecimento tradicional associado, é tempo de movimentar e articular para a
defesa de territórios amazônicos.
Mais do que consumidores, precisamos de parceiros conscientes
do que se compra e do que se vende, na relação justa das coisas e consequências.
Diariamente vigilantes.
Antes do que altas certificações externas,
precisamos que o local e as instituições envolvidas entendam os produtos
florestais como bens e serviços da vida e que não se apresse o fechamento de negócios
sem uma devida e consistente discussão.
Mais do que consultores de alto gabarito,
precisamos de lideranças comunitárias e técnicos articuladores fazendo este
trabalho de esclarecimento à sociedade e evoluindo a ciência florestal.
É necessário ofertar procedência dos frutos de açaí,
do óleo de andiroba, da madeira manejada, do pescado, etc., a partir da voz
local. Até então eu, ignorante que sempre sou, apontava o decreto fundiário e o
GPS como ferramentas de segurança da terra. Hoje vejo que um paneiro de açaí
que alimenta uma família, uma tapioca feita para uma criança merendar na escola
e uma tábua de pracuúba que empareda uma casa também são instrumentos de defesa
de territórios.
É mister enriquecer o manejo florestal através de múltiplas
formas de uso e de agentes verificadores também diversos, democratizando os
meios de comunicação para que as informações cheguem ao maior número de pessoas
sobre as ações praticadas.
Tenho certeza que todos ganharão, até mesmo o FSC, com as lições e aprendizados que irão
surgir.
Então, trabalhemos para isso. Abicorados.
[1] Engenheiro
Florestal, Consultor Socioambiental; e-mail: pantojaramos@gmail.com
[5] No
dicionário http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/preponderancia/
- Estado ou condição de preponderante; hegemonia, predomínio, supremacia.
[9] Ver
o ótimo texto de Rogério Almeida em https://apublica.org/2015/02/empate-no-jari/
[12] É
o que diz Baía, o Viajante - http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/10/baia-o-viajante-monocultura.html
[14]
Numa grande mobilização no Marajó, entidades ligadas à Igreja e Sindicato dos
Trabalhadores Rurais articularam um abaixo-assinado contra o Projeto de Lei 107,
que estabelecia a pecuária como principal atividade tradicional no Marajó.
Foram 6 mil assinaturas de punho. A PL foi arquivada.
[15]
Um exemplo é a Rede EcoVida de Agroecologia, no Rio Grande do Sul, onde os
agricultores em vez de dependerem de grandes auditorias, conseguem seus selos
de alimento orgânico fiscalizando uns aos outros. É um processo baseado em
confiança, sem hierarquias — e potencialmente econômico. Enquanto a
certificação por auditoria chega a R$ 3 mil anuais por agricultor, a participativa
fica na média de R$ 80 - http://www.organicsnet.com.br/2012/06/rede-ecovida-e-a-certificacao-participativa/
.
[16] Ver
em https://vimeo.com/229788960