Traduzi este texto em inglês publicado na página da internet http://www.wri.org/blog/2017/10/brazils-fruitful-example-acai.
É bom sabermos o que falam gente no contexto internacional...
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Exemplo frutuoso do Brasil: Açaí
Carlos Nobre*
12/10/2017
Na popular
revista de notícias brasileira Veja, o jornalista J. R. Guzzo defendeu
recentemente os poderosos do agronegócios do Brasil, pedindo retoricamente:
"O que os brasileiros comem, afinal?" e dando uma resposta irônica:
"Talvez eles nos digam, como Marie Antoinette na lenda ... (Deixe eles)
comerem o açaí".
Há uma história
de fundo aqui. Você provavelmente já ouviu falar do açaí, a pequena baga roxa
da Amazônia que está sendo exibida como uma super comida. A fruta chegou a
simbolizar uma alternativa de alimento para brasileiros conscientes do meio
ambiente: um produto que pode nos alimentar de forma sustentável, com menos
impacto nas pessoas e no planeta do que a produção de carne em escala
industrial. Com o setor de carne brasileiro atualmente envolvido em um
escândalo de suborno enorme (o CEO da maior operação de embalagem de carne do
mundo foi preso no mês passado por pagamentos de um milhão de dólares ao
presidente e altos funcionários), a indústria está apontando para o humilde açaí.
Buscando desacoplar sua imagem da corrupção, envolveu-se no manto de fornecer
segurança alimentar.
Não há como
discordar do objetivo nobre de assegurar comida para todos, mas um modelo de
agronegócio em escala industrial não é a única resposta. Podemos optar por um
caminho diferente que ofereça maior diversidade alimentar. E se os cínicos
perguntam: "O que os brasileiros comem?", Os cientistas têm uma
resposta pronta.
Estudos
rigorosos realizados pela Embrapa não deixam dúvidas de que o país pode produzir
muito mais proteínas animais e vegetais, reduzindo a área total de pastagem e
usando uma melhor ciência e tecnologia para abrandar a expansão da agricultura
e gado para a Amazônia e o Cerrado, a vasta savana tropical do Brasil. Assim,
vamos ignorar aqueles que querem restringir nossas opções e continuar comendo
frutas como açaí.
Açaí ilustra as
enormes possibilidades econômicas de manter a floresta em pé. É o fruto da
palmeira amazônica, uma espécie abundante com mais de 100 touceiras por hectare.
Como milhares de outros produtos naturais originários da biodiversidade
tropical, o açaí foi usado como alimento por populações indígenas e
tradicionais, que ao longo dos séculos desenvolveram técnicas efetivas para
selecionar e aumentar sua produtividade em sistemas agroflorestais.
Edina dos Anjos do Nascimento
Siqueira climbs an açaí tree to harvest the berry. Photo by Sidney Oliveira/AG
Pará.
A fruta
misturada com farinha de mandioca permaneceu como alimento básico dos
amazônicos e foi consumida nas cidades amazônicas sob a forma de suco e
sorvete. Ganhou maior popularidade depois de ser apresentado em uma novela de
televisão na década de 1990, onde foi celebrado como um alimento energético
associado com saúde e fitness. Logo, o consumo cresceu exponencialmente,
primeiro no Brasil e depois internacionalmente.
Hoje, o açaí conectou firmemente agricultores nos sistemas agroflorestais da Amazônia com mercados globais. As técnicas de produção, coleta e processamento foram melhoradas. Mais de 200 mil toneladas de frutas do açaí são produzidas por ano, bem como o palmito e outros produtos derivados. A renda dos produtores é muito maior do que os ganhos dos trabalhadores em gado ou exploração madeireira, apoiando sozinho mais de 350 mil pessoas no estado do Pará.
De acordo com estudos do economista Francisco da Costa, da Universidade Federal do Pará, a receita do açaí perde apenas para a carne bovina e madeira tropical - os principais vetores do desmatamento da Amazônia - entre produtos de origem animal e vegetal na Amazônia. À taxa atual, chegará ao segundo lugar em alguns anos.
A aplicação do conhecimento científico e as novas tecnologias estão por trás desse crescimento. Na Califórnia, dois jovens empresários levaram o açaí para laboratórios de pesquisa e desenvolveram várias aplicações, incluindo alimentos, suplementos alimentares e cosméticos. Em Belém, pesquisadores da Embrapa descobriram e patentearam uma nova substância encontrada na polpa do açaí, que pode ser usada como marcador natural da placa dentária, com possibilidades de mercado encorajadoras.
Muitas centenas de produtos de biodiversidade na Amazônia já são conhecidos e usados, embora em pequena escala. Se pudessem seguir o exemplo do açaí, emergiria uma economia mais dinâmica, mais equitativa e poderosa - uma muito diferente da atual economia regional baseada na carne, madeira, grãos, energia e minerais, que por sua natureza são concentradores da riqueza.
O maior potencial está no que ainda não foi descoberto. A grande capital deste século não é material, mas conhecimento. Ciência e tecnologia podem desvendar os ativos biológicos incomparáveis escondidos na biodiversidade amazônica, alavancando inúmeras novas indústrias biológicas e serviços em um caminho inovador para a bioeconomia do futuro.
Quando chegar esse futuro, o que os brasileiros comerão? Vamos comer uma dieta diversificada que incluirá carne, mas em menor quantidade, e oferecerá mais produtos produzidos de forma sustentável a partir de nossa imensurável biodiversidade, um presente para nossa saúde e para o planeta. Viva o açaí!
(*) Carlos A. Nobre é membro da Academia Brasileira de Ciências, membro estrangeiro da Academia Nacional de Ciências e membro sênior da WRI Brasil.
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Texto original
Brazil’s Fruitful Example: Açaí
In the popular Brazilian news magazine Veja, journalist J. R. Guzzo
recently defended Brazil’s mighty agribusinesses, asking rhetorically,
"What will Brazilians eat, after all?" and giving an ironic answer:
"Perhaps they are telling us, like Marie Antoinette in the legend…(Let
them) eat açaí.".
There’s a backstory here. You’ve probably heard of açaí, the tiny
purple berry from Amazonia that’s being touted as a super food. The fruit has
come to symbolize an alternative approach to eating for
environmentally-conscious Brazilians: a product that can feed us sustainably,
with less impact on people and the planet than industrial-scale meat
production. With Brazil’s meat sector currently embroiled in a massive
bribery scandal (the
CEO of the world’s largest meat-packing operation was arrested last month for million-dollar
payments to the president and top officials), the industry is taking aim at the
humble açaí. Seeking to decouple its image from corruption, it has wrapped
itself in the mantle of providing food security.
There’s no way to disagree with the noble goal of ensuring food for all,
but an industrial-scale agribusiness model isn’t the only answer. We can opt
for a different path that offers greater food diversity. And if cynics ask,
“What will Brazilians eat?” scientists have a ready answer.
Rigorous studies carried out by Brazil’s Agricultural Research Agency
(Embrapa) leave no doubt that the country can produce much more animal and
vegetable protein by reducing the total area of pasture, and use better
science and technology to slow down the expansion of agriculture and livestock
into the Amazon and the Cerrado, Brazil’s vast tropical savannah. So yes, let's
ignore those who want to restrict our dietary options and keep eating fruits
like açaí.
Açaí illustrates the enormous economic possibilities of keeping forests
standing. It is the fruit of the Amazonian palm tree, an abundant species with
more than 100 trees per hectare. Like thousands of other natural products
originating from tropical biodiversity, açaí was used as food by indigenous and
traditional populations, who over centuries developed effective techniques for
selecting and increasing its productivity in agroforestry systems.
The fruit mixed with cassava flour remained the staple food of
Amazonians and was consumed in Amazonian cities in the form of juice and ice
cream. It gained wider popularity after being featured in a television soap
opera in the 1990s, where it was celebrated as an energy food associated with
health and fitness. Soon, consumption was growing exponentially, first in Brazil
and then internationally.
Today, açaí has firmly connected farmers in Amazonia's agroforestry
systems with global markets. Production, collection and processing techniques
have been improved. More than 200,000 tons of açaí fruit are produced per year,
as well as hearts of palm and other derived products. And growers’ income is
much higher than earnings by workers in livestock or logging, supporting more
than 350,000 people in the state of Pará alone.
According to studies by Federal University of Pará economist Francisco
da Costa, the value of açaí lags behind only beef and tropical timber―the main
vectors of Amazon deforestation―among products of animal and vegetal origin in
the Amazon. At the current rate, it will reach second place in a few years.
Application of scientific knowledge and new technologies were behind
this growth. In California, two young entrepreneurs took açaí to research
laboratories and developed various applications, including foods, food
supplements and cosmetics. In Belém, Embrapa researchers discovered and
patented a new substance found in açaí pulp which can be used as a natural
marker of dental plaque, with encouraging market possibilities.
Many hundreds of biodiverse products in the Amazon are already known and
used, albeit on a small scale. If they could follow the example of açaí, a more
dynamic, equitable and powerful economy would emerge―one far different than the
current regional economy based on meat, timber, grains, energy and minerals,
which by their nature are concentrators of wealth.
The greatest potential lies in what has not yet been discovered. The
great capital of this century is not material, but knowledge. Science and
technology can unveil the incomparable biological assets hidden in Amazonian
biodiversity, leveraging innumerable new bio-industries and services in an
innovative pathway to the bio-economy of the future.
When that future arrives, what will Brazilians eat? We will eat a
diversified diet that will include meat, but in smaller quantity, and will
offer more products sustainably produced from our immeasurable biodiversity, a
gift for our health and for the planet. Long live the açaí!
Carlos A. Nobre is a member of the Brazilian Academy of Sciences, a
foreign member of the National Academy of Sciences, and Senior Fellow of
WRI Brasil.
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