Uma colega e amiga especial, aqui
de Belém, enviou-me o artigo que segue abaixo, dizendo não ter certeza sobre o
autor. Eu penso que pode ser Leal Kostav, renomado autor e escritor brasileiro.
A dúvida não desonra o texto. Mais importante que a autoria é a opinião
expressa: uma verdade de nos deixar tocados de orgulho, pois somos exatamente
assim: paraenses, belemenses, nativos ou não, mas todos amazônicos trabalhadores,
desta parte oriental da grande Amazônia continental.
Vejamos o que diz o autor sobre a
cidade de Belém, sede da COP30: “Antes da COP30, Belém do Pará era, para o Sul
Maravilha e o restante do planeta, uma paisagem borrada no mapa, entre o açaí e
o igarapé. De repente, virou o centro das atenções. Não por sua beleza
estonteante (que existe, mas exige um olhar mais demorado que o de um chanceler
alemão apressado), mas por seus... digamos, desafios logísticos.
O problema é que, ao mirar os
buracos da rua e a pouca oferta de hotel cinco estrelas, esquecem-se de mirar o
que realmente importa: A alma da cidade. Belém é uma cidade que não tenta
disfarçar quem é. Ela te recebe com um calor úmido que é quase um abraço
pegajoso e um cheiro inconfundível. É o perfume da história colonial misturado
com a fumaça da maniçoba cozinhando, o bafo do rio e, sim, o aroma pungente da
infraestrutura inacabada. É uma cidade com cheiro forte, e isso, convenhamos, é
melhor do que o cheiro insípido da perfeição asséptica.
Os engravatados da ONU vieram dispostos a salvar a Amazônia. Passaram meses discutindo "crises climáticas", "desmatamento zero" e "mercados de carbono”. Mas a maior lição que levaram para casa, se tivessem tido tempo de respirar, é que a gente do Norte já vive essa crise. Não se trata de “falta de internet” ou de “piscina verde. Trata-se de gente que vive no limite da água doce e salgada, que constrói sua vida sobre palafitas na beira do rio, que convive diariamente com a biodiversidade, a chuva que inunda e o sol que racha. A sustentabilidade, aqui, não é um tema de conferência. É a diferença entre ter peixe na mesa e não ter.
E é aí que reside a verdadeira
força de Belém, o que o governador e o prefeito tentaram inutilmente explicar
aos narizes torcidos. Essa cidade, com sua bagunça assumida, sua humildade de
capital ribeirinha e sua gente que não economiza sorriso, conseguiu sediar um
evento que exigiria a logística da Suíça.
Não foi fácil, claro. Houve
perrengue, teve preço abusivo, teve barco poluente servindo de hotel flutuante,
até incêndio dentro da COP 30. Mas aconteceu. O povo de Belém provou que sua
capacidade de improviso é infinitamente superior ao planejamento europeu.
Enquanto o chanceler alemão reclamava
do calor e voltava feliz para a sua Berlim cinzenta, o paraense estava aqui, vendendo
tacacá na porta do centro de convenções, explicando a diferença entre açaí e
sorvete roxo, e mostrando que a verdadeira riqueza não está nas torneiras com
água quente, mas na generosidade de quem tem pouco.
Em Belém, a "vergonha
brasileira", como foi classificada, virou motivo de orgulho. Pois a vergonha
não é ser pobre. A vergonha é ter que expor a pobreza para que os ricos se toquem
que a solução não virá de powerpoints e de ar-condicionado. A COP30 está
passando.
Belém aos poucos volta à sua
rotina de calor, e chuvas torrenciais. Mas o legado que fica não é a crítica
azeda, nem o QI médio que o colunista julgou (porque é claro que a burrice é um
privilégio do Norte). O que fica é a certeza de que a Amazônia e suas capitais não
precisam de pena ou de condescendência. Elas precisam de muito investimento
sério, honesto e, principalmente, de gente disposta a reconhecer que, debaixo da
lama e do suor, há uma força de vida que nenhuma crítica preconceituosa pode
apagar. E essa força é gigante.
Como paraense adotado, muito
obrigado Leal Kostav. Não sou nascido aqui, mas vim pra cá muito jovem. Nasci
na Amazônia, nas barrancas do rio Madeira, em Porto Velho, quando aquela cidade
tinha todas as manias e trejeitos amazônicos. Os rios e a mata perpetuavam nos
corações um sentimento nativista de muito orgulho. Para onde íamos, reconhecíamos
a existência deles e entendíamos como afetavam e coloriam as nossas
experiências.
A COP 30 trouxe para o debate a
visibilidade tropical. O melhor resultado foi uma grande lição de ‘alma e de
espírito’, dada pelo nativismo plural vindo dos quatro cantos do mundo. Tudo
que se percebeu foi fruto do tempo andante e dos territórios historicamente
desconsiderados. Toda mudança tem uma causa. As nossas: africanas, asiáticas,
latino-americanas e caribenha-antilhanas, são derivadas de modelos impositivos
sob pretextos variados.
Em nenhum momento os colonizadores europeus, e norte-americanos, todos da étnica branca- cristã, adotaram, sequer, um dedo de prosa com a gente nativa. Territórios roubados, valores e éticas, derivados das relações com a Natureza, censurados e deletados das memórias ancestrais. O denominador da ocupação foi a violência aplicada contra as várias cores e etnias: negra, vermelha, parda, cafuza, morena, mulata e cabocla.
O modelo, com seus paradigmas de
dominação, acentuou as ocupações dos territórios nacionais. A “brancura”,
nacionalizada, ocupou os territórios das fronteiras onde viviam os moradores
nativos. Na Amazônia do Brasil, essa história pouco debatida, responde pelas causas
mais visíveis das perturbações climáticas. O modelo e o uso dos recursos naturais,
especialmente o uso da terra, usam uma parafernália tecnológica totalmente desajustada
das condições edafoclimáticas e socioculturais amazônicas e tropicais. Se é possível
configurar essas tecnologias, elas podem ser hoje simbolizadas pelos “Texanismos”,
ou seja, chapéu “cowboy” de abas largas, cinturões com fivelas alargadas, botas
de bicos finos arrebitados e calças jeans “acaneladas”. Nada a ver com a Amazônia
e sua cultura ribeirinho-extrativista.
A COP 30, de Belém do Pará e do Brasil, trouxe à liça demandas históricas dos povos oprimidos pelos modelos capitalistas de produção e consumo. Como verberou uma ativista: O problema não é o clima, é o sistema de produção capitalista. Diante disso, os modelos globais de desenvolvimento sujo foram contestados pelos povos originais globais em diversos lugares e momentos da COP de Belém: nas praças públicas, nas passeatas, nas bateatas fluviais, nos campi das universidades federais, além de manifestações populares “in situ” nas zonas elitizadas da “Blue Zone”, da “Green Zone,” e do “AgriZone” do agronegócio. A COP 30 teve presença de 195 países, mais de 45 mil participantes, e foi a segunda maior do gênero, superada por Dubai (terra dos ricos poluidores mundiais), mas sem a presença das vozes populares, traço que fez da COP paraense, o sítio de maior expressão do povo contra aqueles que sujam o planeta e nos pedem que compensemos atenuando as nossas necessidades básicas, mas desde que essas atenuações continuem empregando os seus meios e técnicas imperialistas e sigamos pagando o “overhead” do desenvolvimento comprado deles. Quanto às finalizações, conclusões e recomendações ideais, já se previa a dificuldade, desde a ausência, previamente anunciada, do Xerife mundial norte-americano e de seus aliados europeus e árabes. Não aconteceu. Porém, as lutas populares avolumaram suas presenças e suas vozes. Uma lição oferecida pela democracia plena e multilateral, como a brasileira de hoje.
(1) O autor agradece a assistência dos colegas Carlos Pantoja
Ramos e Roberta Maria Coutinho, Pesquisadores Associados ao Projeto Várzea, da
UFRA. Belém (PA). Publicado na revista





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