sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

1944-1954: Dez Anos na Guatemala


Para entendermos o que se passa no Brasil nos últimos anos, convêm olhar o que acontecera em outros países. Tragédia e Farsa fazem parte do método dos poderosos para subjugar a população.

Vejamos o caso da Guatemala, entre os anos de 1944 e 1954.

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1944-1954 - Dez anos na Guatemala (*)

  
“Enquanto eu for presidente, não outorgarei liberdade de imprensa nem de associação, porque o povo da Guatemala não está preparado para a democracia e necessita de um pulso forte”.

Esta declaração foi feita pelo ditador guatemalteco Jorge Ubico, cinco dias antes de sua queda, em 1944. A ditadura do general Ubico dominou a Guatemala durante 13 anos (1931-1944), encerrando o chamado ciclo de governos liberais, que abriram o país ao capital estrangeiro e estiveram no poder, com breves interrupções, desde 1871.

O governo Ubico é derrubado por uma frente formada por comerciantes, outros setores da pequena burguesia, profissionais liberais e estudantes. Os trabalhadores participam do movimento, mas sua representação política é fraca, pois até então nunca puderam se organizar de modo expressivo.
                                        

Com a queda do ditador, assume um triunvirato e, em seguida, o general Ponce, que se compromete a convocar eleições. Iniciam-se assim os chamados Cem Dias de Organização. Às pressas, as correntes políticas representativas das diversas classes vão criando seus partidos, e os trabalhadores, fundando seus sindicatos. Os exilados regressam, a vida política se intensifica e os comunistas (ainda que não reconhecidos legalmente) passam a ser tolerados.

Em poucos meses, Ponce tenta um golpe que fracassa: as classes que esperavam as eleições se insurgem. É a Revolução de Outubro. Durante a Insurreição, são armados os estudantes, os comerciantes e os trabalhadores, que instituem um novo triunvirato: JacoboÁrbenz Guzmán (capitão do Exército), Jorge Toriello (comerciante) e Francisco Javier Arana (comandante da Divisão de Tanques e responsável pela cisão do Exército durante o levante).

São marcadas eleições gerais e surge como presidente Juan José ArévaloBermejo, um professor universitário de 40 anos, parte dos quais viveu exilado. Sua base social era fundamentalmente a pequena burguesia, profissionais liberais e outros setores médios urbanos. À sua orientação filosófica, dava o nome de Socialismo Espiritual. Durante seu governo é convocada uma Constituinte que, tendo como base a Constituição dos EUA, a Constituição Revolucionária Mexicana de 1917 e a Constituição Soviética, elabora a Constituição Guatemalteca de 1945.

O novo presidente encontra a Guatemala dominada por companhias estrangeiras, particularmente estadunidenses. Só a American FruitCompany dominava uma extensa propriedade que se estendia do Atlântico ao Pacífico, onde atuava quase como um governo paralelo: mais de 40 mil guatemaltecos dependiam direta ou indiretamente dessa empresa. Além disso¬, La Frutera, como era chamada, era a acionista majoritária da International Railways of Central America, tinha o monopólio da navegação (nas duas costas), possuía e administrava as instalações portuárias e, através de uma subsidiária, fiscalizava as comunicações telegráficas do país.
                                     

Frente a esse quadro, longe de combater os comunistas, Arévalo procura se aproximar deles. Em sua opinião, “enquanto o imperialismo da União Soviética era uma ameaça potencial, a ameaça do norte-americano era imediata e palpável”.

Durante seu governo, os sindicatos de trabalhadores são fortalecidos e, paulatinamente, vão se transformando na principal base do poder.

No pleito presidencial de 1950, Arévalo e as forças que o apoiavam elegem seu sucessor, JacoboÁrbenz. Este, segundo os estudiosos, foi o governo de maior base popular que a Guatemala conhecera desde a conquista espanhola do século 16.

Os sindicatos urbanos e rurais aprofundaram sua organização, estruturando-se horizontalmente em duas grandes centrais: a Confederação Geral dos Trabalhadores da Guatemala e a Confederação Geral Camponesa.

Os comunistas continuaram a atuar intensamente e muitos deles chegaram a assessorar Árbenz que, como Arévalo, nunca foi comunista. A aliança de ambos com os comunistas, no entanto, pode ser facilmente entendida: o desenvolvimento do capitalismo guatemalteco exigia a resistência a sérios interesses estrangeiros, como, por exemplo, a United Fruit. Para isto, os representantes dos capitais nacionais (ou dos programas políticos que pretendiam apenas seu desenvol¬vimento) deveriam, desde logo, se aliar e buscar o apoio das organizações (profissionais, sindicais, partidárias e outras) que tinham como base os trabalhadores. Além disto, em consequência do papel desempenhado pelo Exército Vermelho e das resistên¬cias comunistas e socialistas na Europa, durante a Segunda Guerra, na derrota do nazi-fascismo, grande parcela da intelectuali¬dade e dos técnicos guatemaltecos se inclinava para a esquerda. Isto explica, em grande parte, que os elementos mais capacitados para assessorar os dois governos fossem recrutados entre comunistas ou, pelo menos, entre seus simpatizantes. Chamamos a atenção, porém, que a eleição de Árbenz coincide com o início da Guerra Fria.

O fato é que as centrais de trabalhadores do campo e da cidade crescem e um sentimento anti-imperialista e nacionalista toma conta do país. Tanto aos que tinham como perspectiva apenas o desenvolvimento de um capitalismo guatemal¬teco, quanto aos que (para além deste horizonte) pretendiam uma revolução socialista/comunista, colocava-se a necessidade de uma reforma agrária. Esta era a palavra de ordem.

Era também a primeira vez que, desde a chegada dos espanhóis, os índios (descendentes dos maia-quiché e que representavam quase 60% da população, contra 10% de brancos e 30% de ladinos – os mestiços) – eram chamados a participar enquanto sujeitos do processo político. A palavra de ordem que os sensibilizava era a propriedade da terra: os índios viviam encurralados nas montanhas, em terras exíguas e pobres. Os brancos (nativos e estrangeiros) ocupavam as planícies, férteis e vastas.


Em 1954, com a reforma agrária em curso, o país está tensionado e dividido. De um lado, as forças que compunham o Governo e internamente hegemônicas: nacionalistas, socialistas e comunistas, organizações de trabalhadores da cidade e do campo (entre estes, a população indígena) e o Exército. Do outro, enfraquecidos, os latifundiários, os comerciantes, amplos setores da pequena burguesia urbana, a Igreja Católica e todos os que mantinham seus interesses políticos/econômicos vinculados a empresas estrangeiras, especialmente à United Fruit.

Incapazes de agir contando apenas com as forças internas, os opositores e a Frutera passam a apostar numa intervenção externa.




Desde meados de 1953, o governo do presidente IkeEisenhower (EUA), através de seu secretário de Estado, Foster Dulles, intensifica a campanha internacional que já desenvolvia contra a Guatemala. A conspiração se articulava fundamentalmente em três frentes: ações diplomáticas, ações de propaganda e organização de uma força militar externa, composta de mercenários recrutados entre o lumpemproletariado¬ e delinquentes dos países da região.

Em 30 de dezembro daquele ano (1953), o presidente Jacobo Árbenz divulga um comunicado oficial, com centenas de cópias de trechos de documentos apreendidos pelas autoridades guatemaltecas, que implicavam três ditadores latino-americanos – Anastasio Somoza (Nicarágua), Rafael Trujillo (República Dominicana) e Perez Jimenez (Venezuela) – na preparação de um golpe contra seu governo. O comunicado denuncia compra de aviões, armas e munições (inclusive bombas de napalm) pelos generais guatemaltecos Miguel Idigeras Fuentes e Carlos Castillo Armas (ambos exilados em Honduras), através de uma empresa da família Somoza. O comunicado encerra descrevendo resumidamente um plano de invasão: 

“Desembarque nas costas do Pacífico com tropas trazidas de portos nicaraguenses (...); apoio aéreo mediante bombardeio das povoações e aterrisagem em aeroportos particulares do Pacífico: posse dos pontos-chave (...); ataques simultâneos pela fronteira de Honduras (...), onde estão comprometidas todas as autoridades militares dessas populações”. Exatamente¬ este plano foi posto em prática, seis meses depois, sem qualquer alteração ou pejo, pela United Fruit, pelo secretário de Estado Foster Dulles, pela elite econômica e de direita guatemaltecas, respaldados por um exército de mercenários.


Entre outras ações, para a formação de uma força militar sob a direção de Castillo Armas, foram afixados, nas capitais do Caribe, cartazes para o recrutamento de mercenários, prometendo um bom pagamento e acenando com o butim.

Em Honduras, o aliciamento de todo tipo de marginais era feito de modo tão desabrido, que provocou a reação dos estudantes. Resultado: o governo hondurenho determinou a ocupação militar da universidade. Prisões em massa. 

Em Bogotá, agentes da Frutera estabeleceram um escritório no centro da cidade, para atendimento de todos os que quisessem fazer fortuna rápida na invasão da Guatemala. 

Na Nicarágua, o ditador Anastasio Somoza simulou um atentado contra si próprio, atribuído – de forma orquestrada – pelo seu Governo e pelo Departamento de Estado de Washington, ao Governo Árbenz.




Mas, se esta era a parte visível da operação, restava ainda uma série de tarefas de preparação da infraestrutura bélica articuladas diretamente por militares de Washington. Na base estadunidense no Panamá, concentraram-se as providências¬ para os ataques aéreos: pilotos e outros especialistas das forças armadas estadunidenses, aviões, armamentos, munições e outros equipamentos de guerra. Alguns destes, a serem usados na data escolhida para a invasão. Outros deveriam chegar às mãos dos articuladores do golpe em território guatemalteco com alguma antecedência.
                  

Dentre as iniciativas diplomáticas, certamente a de maior expressão foi a 10a Conferência Interamericana de Consulta, reunida em 3 de março de 1954, em Caracas, e destinada a “estudar a penetração do comunismo na América Latina”, manipulada por Foster Dulles, tendo como grande aliado (ao lado dos Somoza, Trujillo, Jimenez e outros do mesmo naipe) o chanceler brasileiro Vicente Rao. O documento final, que contou em sua aprovação com apenas duas abstenções (México e Costa Rica) e o voto contrário da Guatemala, isolava o governo Árbenz.

Os meios de comunicação latino-americanos, as agências noticiosas e as grandes mídias ocidentais transformaram-se em caixas de ressonância da política, versões e calúnias de Washington contra a Guatemala, e do “perigo comunista que rondava a América Latina”. No Brasil, os principais guardiões da Pax Americana foram os jornais O Globo, O Estado de S. Paulo, os Diários Associados e a Tribuna da Imprensa. Entre as mais virulentas personalidades públicas brasileiras que abraçaram a campanha, estava, como era de se esperar, o jornalista e deputado Carlos Lacerda. 

Por fim, às 18h30 de 18 de junho de 1954, a rádio Voz da Guatemala transmite para todo o mundo o comunicado de Guillermo Garrido Toriello, chanceler da Guatemala: “Neste momento, meu país foi invadido”.
Iniciava-se uma grande chacina.

Com a queda de Árbenz, assume o governo Carlos Enrique Diez, imediatamente substituído pelo general Castillo Armas que, três anos mais tarde, seria assassinado por uma das sentinelas do seu palácio.


Bibliografia
CARPEAUX, Otto Maria. O romance como poema e a ditadura como realidade. Introdução in O Senhor Presidente, Miguel ÁngelAsturias, 7a. edição. São Paulo. Brasiliense. 1974. FILHO, O. C. Louzada. A parábola do grande e do pequeno. Prefácio in Week-End na Guatemala, Miguel ÁngelAsturias. São Paulo. Brasiliense. 1968. 


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(*) NOTA DO AUTOR
Este texto foi publicado originalmente com este mesmo título, como Apêndice, na edição da Expressão Popular (2002) do livro “Week-end na Guatemala”, do escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias.



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