“Menino Vicente, não te prometo nada. Não sei se terás
infância, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho,
porão de fantasma, formigas em fila, beira de igarapé, galinha no choco,
espinho, pé machucado. O mundo de hoje, tal como vejo da janela, desconfio que
te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar.
Ou apenas uma eterna garrafa de coca-cola ou um delicioso chokito.
Aceita menino, esses inofensivos divertimentos. Leva-os a
sério, com toda aquela seriedade grave da infância, come o chokito, bebe a
coca-cola, desmonta e monta a miraculosa máquina de nosso século, que a
imaginação de teu pai jamais poderia conceber. Impõe a essas coisas e a essa
vida que te oferecerão como infância a sofreguidão da tua boca, a ousadia dos
teus olhos e a força de tuas mãos. Imprime a tudo que tocares a alegria que me
deste por nasceres. Qualquer que seja a tua infância, conquista-a, que te
abençôo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também e vai viver em meu
nome. Nada te posso te dar senão um nome.
Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida minha
estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será
a tua. Nada te posso dar senão um nome e uma estrela. Se acreditares em
estrela, vai buscá-la.
Bem-vindo Vicente!”
(adaptado do texto Dez
minutos do livro A Mulher do Vizinho,
de Fernando Sabino.)
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