sábado, 22 de setembro de 2018

Eu vi um gueto cercado por um imenso muro verde… (2005)

 Carlos Augusto em viagem da equipe da ONG FASE do Pará ao Espírito Santo. Ano 2005.



Viagem ao norte do Estado do Espírito Santo, amém. Tratava-se de uma paisagem esverdeada, lembrando a minha infância jarilense, criancice voltada para aquele bando de soldados dispostos em linha, tal qual uma parada militar soviética, tal a sincronia. Florestas de eucaliptus prontos a guerrear com as nativas, frios, competentes, pragmáticos contra os absurdos assimétricos e colossais árvores legitimamente equatoriais.

Em terras capixabas, os patrocinadores são o fiel da balança em favor dos eucaliptais que abastecem as indústrias de papel como Aracruz, Bacel, Veracruz. Suas armas são representadas por políticos e meios de comunicação que apresentam a sua superioridade econômica quando comparada à já rala Mata Atlântica. Do lado fraco, somente parceiros. Índios que outrora pescavam, caçavam e plantavam. Recordações de flora que abrigava vidas e culturas orais e escritas que estão a definhar pelo tratamento hostil do plantado.


Constatei o impensável: guaranis e tupiniquins pedindo para visitarem uma reserva de mata para ensinar os filhos o que é uma envira, um sauí-preto, um caxinguelê. No eucaliptal, um gavião voa tedioso e se depara com um tatu perdido, como sempre solitário: “nosso acordo é continuar existindo por aqui. Vá em paz”, comenta a ave.


Mata estéril que isola os homens e as mulheres, que esteriliza o solo e seca as fontes de água, avançando conforme seus patrocinadores ordenam. E são gulosos. Quilombolas e índios condenados a viverem de restos de madeira deixados para trás como esmola para fazerem carvão, sujos nos pulmões e na dignidade. Cercados, anulados, atrofiados. Eu vi um gueto. Um gueto cercado por imensos muros verdes.


Aracruz, 09 de Agosto de 2005.


Texto publicado nos sites Recanto das Letras e Racismo Ambiental






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