Poucas pessoas que me conhecem sabem disso, mas já passei a vergonha de viajar para Curralinho e "perder o ponto", parando em Breves. O ano era 2014. Numa semana tão corrida, meu corpo tão ajeitado na minha velha, porém confortável rede, que acabei vencido pelo cansaço e sono, não acordando às 3 horas da manhã, horário em que o navio que eu viajava parava obrigatoriamente na sede curraliense. Lá se foi meu compromisso. Acordei com o sol na minha cara, forte a quase me agredir. Acordei todo remelento, com todos os demais passageiros já desembarcados em Breves.
Tomei o susto!
"Meu Deus!". Tive um reação tão forte que me deu dor de cabeça. Nunca tinha falhado em agenda. Se vou, chego. Mas não cheguei, passei adiante. Junto com a dor de cabeça, um misto de nervosismo, pela primeira vez a escutar o coração sem aparelhos ou mão no pulso ou peito, sério, eu escutava o tambor. Tum-Tum-Tum, Tum, Tum, Tum-Tum-Tum. Um batuque passou a ser rotina de escutar nos próximos meses. Agoniava o sono.
Meses depois, estava em Curralinho. Estava acompanhado de outros técnicos. Desci normalmente. Sem susto. Entretanto, com uma sensação de peso no peito e principalmente, o coração acelerado. Sim, muito acelerado. Não conseguia dormir à noite. Logo pela manhã, resolvi ir ao posto de saúde da cidade. Fui muito bem recepcionado, pouca gente com senha. Mas sabe, eu queria mesmo era conhecer e trocar ideia com o médico Cubano do Programa Mais Médicos. Mesmo meio lascado, minha curiosidade é maior que meu estado físico. Sempre fui assim.
"Desculpe, seu Carlos, o médico está atendendo lá no Piriá", disse-me a recepcionista.
"Tudo bem. E o que achas dele?".
"Muito educado, muito prestativo, escuta as pessoas que vem aqui, só às vezes a gente se enrola no espanhol dele. Mas a gente se entende".
"Poxa, então sendo assim, já me vou".
"O senhor não quer fazer um cardiograma pra mostrar pro seu médico lá em Belém?".
"Mas é caro, tô sem grana".
"Rá, Rá, é de graça".
"Vocês tem esse aparelho aqui?".
"Mais ou menos. a gente coloca os medidores no senhor, que vai pela internet lá pra São Paulo onde fica de plantão um médico, que lá recebe, analisa e manda de volta pra gente imprimir o exame pro senhor levar pro seu médico".
"Na hora??".
"Na hora".
"Duvido". Pensei no mito em que o SUS não teria tal articulação de exames.
E não é que tinha?? A enfermeira conversou por uma espécie de chat exclusivo para esse tipo de atendimento, onde o especialista em São Paulo trocava informações. Deitei na maca, de barriga para cima, tendo ao lado o pequeno aparelho chamado de eletrocardiógrafo portátil que seria usado para registrar o exame no computador. A enfermeira técnica colocou os eletrodos grudados nos meus braços, pernas, tórax (tudo meio Silvester Stallone, sabe? RáRáRáTuJura!), para pegar os estímulos elétricos do coração. Tudo em tempo real sendo avaliado pelo médico lá de São Paulo.
A enfermeira imprimiu o resultado em seus gráficos de sobe e desce e fiquei pasmo com um exame nesta base de comunicação de tão grande distância e em tamanha velocidade de entrega.
Voltei pra Belém. Entreguei o exame à um médico do bairro, no custo de R$250,00 a consulta. Ele olhou os exames e diagnosticou:
"Seu Carlos, seus batimentos cardíacos estão normais. O senhor anda estressado?? Podes estar com uma crise ansiedade. Desde quando sentes isso?".
Quase que respondo: a vida toda.
Uma ansiedade, uma cuíra, uma agonia, uma revolta, sei lá.
Enquanto escrevo essa crônica, relembro como fui bem atendido em Curralinho pelo sistema público de saúde, uma sensação de unguento na alma, sabe? O Estado cuidou de mim. Nem que fosse por uma manhã.
Enquanto isso, o médico cubano segue para seu país. Deve levar saudades de Curralinho, do rio Piriá. Saudades mesmo devem ficar os seus pacientes. Ou seriam amigos?
Atenção é remédio pro coração.
Que lindo texto, Carlos. É bom assim pra alma quando a gente vivencia o cuidado. O SUS e o Mais Médicos fazem a diferença para o nosso povo sofrido. Ficamos torcendo para que não acabem. Ah, com certeza os pacientes terão saudades dos médicos cubanos.
ResponderExcluirGrato pelas palavras, Zulmira. Atenção faz bem pro coração.
Excluir