Caríssimos
e caríssimas marajoaras,
Milton Santos é um dos principais
geógrafos de todos os tempos, reconhecido internacionalmente. Baiano de origem
pobre, Santos tornou-se uma referência universal na análise dos efeitos de
modelos econômicos capitalistas no dia a dia da população menos favorecida, a
grande maioria nestes bilhões de habitantes que somos. Este estudioso ajudou a
quebrar a caracterização com que se dividia o mundo no período de 1950 até os
anos 1990, marcado então pelo Primeiro Mundo (Bloco de países liderados pelo
capitalismo dos Estados Unidos), Segundo Mundo (liderados pelo Socialismo da
União Soviética) e Terceiro Mundo (formado pelos países ditos subdesenvolvidos
encontrados principalmente no Hemisfério Sul). Foi a ladainha que ouvi enquanto
aluno, de um enorme preconceito entre as nações, reduzindo-nos. Saber o caminho
que levou a humanidade após o fim da Guerra Fria e entender a influência deste
evento em outros países e seus territórios, como no caso do Marajó, é uma forma
de nos posicionar diante dos processos em curso. Aqui vai minha pá de
provocação e disposição às críticas que surgirem. O importante sempre é a reflexão.
Com a voz agora predominante do antigo bloco
formado pelos Estados Unidos, criou-se campo fértil para ideologias que
finalmente pudessem levar a cabo o que o capitalismo mais desejava e que é a
sua essência: chegar ao cúmulo de si mesmo. Uma dessas tentativas chama-se
Globalização. Uma de suas ferramentas metodológicas: Neoliberalismo. O azeite
desta engrenagem: a Mídia. E foi no
momento que a voz de Milton Santos me explicava[2] sua visão sobre a nova
polarização do planeta humano, percebi como devemos nos identificar cada vez
mais fortemente como Marajoaras. Como Marajó! Pois é na nossa identificação e
valorização de nossa origem que pode estar uma das formas de melhorar nossas
condições de vida, cidadã acima de tudo. Isso passa pelo entendimento do que se passa em nosso tempo. O geógrafo novamente aponta para três mundos:
Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.
O Primeiro Mundo desta vez é o mundo que a
Globalização deseja convencer você e eu, de beleza, de ostentação, de cartazes,
do carrão, da comunicação, da comida, da roupa chique e da “hora”, da atriz, do
ator, do cantor e da cantora, estes quatro últimos não propriamente talentosos,
porém adaptados a nos enviar uma mensagem que ganhar financeiramente é o ideal
na vida. O Homem não seria mais o centro do Universo, e sim o Dinheiro. É um
Primeiro Mundo que mostra que lá fora, que a cidade cosmopolita e ultracapital,
que os outros são melhores. Empresas multinacionais apostam alto e tem lucrado
na mesma proporção para chegar a mim e a você a nos seduzir, com sucesso muitas
vezes temos que admitir. São enxurradas de comerciais. São filmes hollywoodianos
a fazer bilhões de pessoas consumirem aquilo que lhes é de interesse. Para
isso, é lançado o filme e o livro do filme, num piscar de olhos que tiram a
vontade aos poucos, de ler e atentar para a arte que nos cerca. Tudo, dinheiro e propaganda estão bem entrosados para manter o estado de coisas. Não é à toa que nas últimas pesquisas do PNUD,
órgão que monitora a situação social dos países, 1% apenas da população (elite)
será detentora em 2016 de 50% de toda a riqueza mundial. É um jogo de máscaras
internacional que tem enriquecido os mesmos jogadores e dado valor à Renda Per Capita (renda por cabeça) em
detrimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para demonstrar o que importa
neste tabuleiro que vivemos e sobrevivemos. Uma disputa em que você é apontado
como jogador, cujas regras não são claras e são cochichadas por aqueles que
irão te fazer perder. Aparentemente libertário, democrático, mas te subtraindo
sem que saibas. Tudo combinado.
O Segundo Mundo é dito por Milton Santos como
o da realidade. A Globalização como ela é na verdade. Da exclusão, da
marginalização, de especulação, das milhares de pessoas retiradas de seus lares
por novos projetos, apesar dos estudos socioeconômicos e ambientais mostrarem
que outras vias seriam possíveis e menos impactantes. Porque tá na cara que
projetos hidrelétricos tem como maior incentivador a indústria do cimento e do
ferro, isso os impulsiona, não a capacidade de geração de energia. Aliás, é sim
para gerar energia, mas não para os municípios paraenses a princípio, e menos
ainda para os moradores daqueles municípios que não estão na cidade. Não, se
quer saber, Belo Monte não foi feito para o povo. Altamira é testemunha,
terceira cidade mais violenta do país. Prometeram mundos e fundos, só o saque restou. Não, Energia alternativa não é
prioridade. Na Ilha das Araras, em Curralinho, existe um projeto de geração de
energia solar, gerenciada por empresa privada que atua em todo o Pará com o
aval do Governo Federal, através do Ministério das Telecomunicações. Deixa ver
se eu entendi: projeto de energia alternativa, de fonte gratuita sob controle
de empresa privada de considerável porte? Então foi feito para não dar certo
tal iniciativa. Diante da Globalização, somos nós marajoaras, meras caricaturas
de turismo aqui e ali, televisionadas no sul-sudeste de que aqui é tudo é
paraíso e exótico. Sim, a Globalização em mídia novelesca quando nos visitou,
tentou passar isso. Sorte que existem outros canais mais responsáveis que
tentam mostrar o que de fato acontece.
E assusta ver feijão e milho que
não geram outras plantas e que são dominadas por uma indústria planetária, a
Monsanto. Porque assusta ver a agricultura familiar no Nordeste Paraense ser
afundada pelo agronegócio, enganando muitos agricultores pela promessa “a gente
planta dendê em sua terra, você praticamente não fará nada e ganhará com
isso...”. O que ganhou afinal? Se a característica principal do trabalhador
rural é a sua autonomia, sua liberdade, diria que muitos vêm procurando donos,
grilhões. Ou estamos acostumados com
isso? Com um Estado Brasileiro empossando uma ideóloga que combate o direito
dos povos indígenas como a atual Ministra da Agricultura, está arredada a
cortina: é o interesse da bancada ruralista mais forte para diminuir mais ainda
aquilo que é básico para os povos da floresta e agricultura familiar. Eu besta
sonhava ver a EMBRAPA realizando pesquisas no Marajó nos próximos 4 anos. Mas a
EMBRAPA é do Ministério da Agricultura. É uma ciência que já tem endereço. Eu
ainda aposto que em 8 anos as prefeituras conseguirão atender os 30% mínimos de
compra da produção local para a merenda escolar. É a luta da tapioca do norte
contra o biscoito do sul. É a luta para uma criança beber água de qualidade na
sua escola, lá na sua comunidade. Somos, caros marajoaras, 500 mil almas como
diria um sábio da região geradores de poucos votos. Poucos olhares
governamentais. Poucos investimentos em mudança de estrutura. Em Chaves chegará
o Linhão, um avanço que deve ser reconhecido. Entretanto, nunca vi lugar mais
abençoado pelo vento. Vai soprar nossos cabelos e não chegará à tomada. Pra quê
chegar isso? Não dá dinheiro, só bem-estar. Não é suficiente. Você vale o que
você tem no bolso. Essa é dura realidade do Segundo Mundo dita por Milton
Santos. Um fundamentalismo pautado no ganho financeiro. Cadê a Democracia?
Outra humanidade é possível. É o Terceiro
Mundo do consagrado Geógrafo. Uma outra forma de Globalização que valoriza a
reconhece as iniciativas locais. Que leva em conta o açaí nativo e sua
importância social e ambiental para nossa região, não um simples novo
produto-exportação mundial. Que visualiza ações concretas de educar o jovem
peconheiro a saber ganhar e gastar seu suado dinheirinho na safra, longe dos
diversos tipos de entorpecimento e prostituição. Que não tolera mais
expropriações dos recursos naturais de forma irresponsável a endinheirar
pessoas relacionadas com o Primeiro Mundo, o da ilusão para milhares, a fortuna para pouquíssimos. O Marajó sabe o que passou pelo palmito, pela
madeira, pela borracha. Aprenderá a valorizar a si próprio? Contribuiremos para
uma condição humana digna? Um Mundo em que o Ser Humano voltaria a ser Justificável
perante a Ecosfera? Neste Terceiro Mundo tem economia, tem comercialização, mas
tem justiça. Tem Natureza. Tem Cultura. Tem equilíbrio. Tem tolerância.
Milton Santos incentiva que todos sejam
eternos estudantes para mudar a História, pois segundo ele, “a clarividência é
uma virtude que se adquire pela intuição, mas, sobretudo pelo estudo...”. Ele
se foi fisicamente em 2001, mas mostrou nos últimos olhares para a câmera a fé
que tinha de que lá na frente será obtido este Terceiro Mundo.
Sim, porque outro Mundo é possível.
[1]
Nota: Recebi crítica e fiz autocrítica de que
é preciso relatar o quanto trabalhamos pelo Marajó. Envio assim cartas aos
amigos, a forma mais confortável que encontrei para dissertar. Só desejo a
reflexão-ação-reflexão, nada mais.
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