Buenaventura, a caminho de Cajambre, 20 de novembro de 2019.
Era uma vez uma revoada de periquitos que resolveram cruzar os céus do Pacífico até o Atlântico. Vamos chamá-la de Revoada Naidí. Num tempo em que quase não haviam cidades humanas no dito Novo Mundo, tais pássaros tiveram uma última refeição à base de frutos de uma palmeira magrela em comparação às outras espécies de palmas. Esses caroços lhes garantiriam farta nutrição para este desafio descomunal em altura: atravessar os Andes.
A Revoada Naidí singrava os céus tendo troca na lideranças do bando. Desta forma, quando o tempo era de chuvas torrenciais, os periquitos escolhiam o de melhor visão entre todos para tais tempestades, na prudência de desvias das árvores e picos de montanhas. Quando em tempo de brilho sol, a escolha era pelo mais rápido indivíduo para assim motivar os demais. No período de carestia, escolhiam aquela periquita mais sábia para conduzir a Revoada Naidí para a decisão sobre pontos de descanso e de alimentação.
Com todos estes cuidados de revezamentos de líderes para cada momento, apesar das dificuldades, conseguiam manter a rota.
Quando a Revoada Naidí passava por cima do estuário do Rio-Mar chamado séculos depois de Amazonas, avistou seres humanos caminhando com ares de preocupados e aparentemente famintos. A sábia ave que desta vez coordenava o grupo psitacídeo olhou e teve dó, pois crianças seguiam naquela caravana com aspecto sofrido.
- Mano, ainda tem Naidí na tua barriga?
- Ainda, Líder Sábia, por que?
- Defeca ali no caminho daqueles seres que por lá vão.
- Mas se a planta nascer e crescer aqui, eles aproveitarão?
- Quem sabe. Na volta veremos.
E assim o periquitinho gordinho desceu no piso da mata, obrou e ligeiro decolou pois um gato maracajá já tinha o espreitado.
- Te sai! - disse ao felino.
E retornou ao grupo.
Três anos depois na tentativa de voltar do Atlântico para o Pacífico, os periquitos avistam uma moça cujas lágrimas regavam o pé de planta largado pelo periquitinho gordinho. E percebiam que a humana estava abraçada nesta palmeira cujos frutos caiam próximo aos seus cabelos.
Iaçá, a que chorava copiosamente junto à palmeira de tristeza pela perda de sua filhinha, se foi. Quando os demais de sua tribo encontraram-na também acharam os frutinhos. O periquitinho gordinho gritou lá de cima para eles:
- Que nunca mais passem por isso! Amassa o fruto! Amassa pra render, manos!
Despareceu no céu a Revoada Naidí.
Os humanos da antiga aldeia de Iaçá passaram a alimentar-se do fruto misturado com a farinha de uma raiz. E assim terminou a fome daqueles tempos.
No Pacífico novamente, Revoada Naidí avistara outros Homo sapiens que tinham viajado de uma terra muito distante, além Oceano Pacífico. Eram mulheres e homens fortes e altivos. Cantavam sempre e sua cantoria agradava aos periquitos. Até competiam neste dom de saborear a vida. No dançar por cima das ramas, sapatearam frutos das palmeiras para os homens e mulheres que cantavam lá embaixo. Estes comeram e gostaram.
Depois de compartido a comida, gargalharam os periquitos de alegria e bateram asas para o Atlântico.
Neste percurso retomado, enfrentaram muitas correntes de ar, das mais poderosas. Escolheram um pássaro que de tão brioso cortava o vento em favor de seus companheiros e companheiras que o acompanham.
- Temos que ser tão fortes quanto os humanos que atravessaram o mar sem fim.
E próxima ao Estuário Amazônico, a Revoada Naidí fitou outros humanos correrem de outros, fugidos. A Revoada reconheceu a semelhança com seus cantantes e dançantes amigos do Pacífico. Tais humanos que agora estavam escondidos no meio da mata ainda tentavam entender o que poderiam utilizar para comer desta mata.
Os periquitos fizeram uma confusão danada nas palmeiras que eles tinham ajudado a plantar com suas obras de ir e vir. Caindo na cabeça dos humanos que se escondiam, gargalharam os periquitos e também fizeram festa. Os humanos primeiramente desconfiados não entendiam a mensagem. O líder daqueles homens, mulheres e crianças, o mais valente, recebeu a visita num galho muito próximo do líder periquito, o mais brioso. Falou em periquitês:
- Toma deste fruto e siga distinto e resistente. Alimente com este fruto todos que precisem. É com peixe, principalmente, mano.
O líder humano comeu do fruto. E todos comeram do fruto.
A Revoada Naidí partiu.
Séculos depois, tanto na pós geração de Iaçá, quanto na dos humanos do Pacífico e na dos humanos fugidos (agora reencontrados em si mesmos) quando um menino ameaça atirar uma pedra num periquitinho que se alimenta do fruto sagrado, a mão do mais sábio ou da mais sábia encontra seu ombro e diz:
- Gratidão, meu menino, tenha gratidão...
Pantoja Ramos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário