domingo, 17 de novembro de 2019
Fábula Doce
Pizarro, Colombia.
Era uma vez uma formiga chamada de 21 que muito se orgulhava de seu ninho, feliz de estar no serviço nobre de entregar folhinhas, pedaços de arroz e de açúcar para seu reino.
Esta formiga ficava boa parte do tempo fora do reino, catando tudo para assim entregar no ninho e imediatamente voltar à luta. Numa ordem natural das coisas, comia parte do que carregava e estava certa que porção de comida estava garantida assim que ficasse mais velha e com menos força para carregar em produtos 50 vezes o seu peso. Um sonho para qualquer formiga operária como 21 era estar segura e comendo no final da vida.
Lá no reino das formigas, de repente, o açúcar começou a ser considerado a maior das riquezas, desequilibrando o que se percebia como necessário para a vida destes insetos. Uma doutrina começou a dominar as mentes formigueiras: o AÇUCARISMO.
Várias medidas foram determinadas a partir do AÇUCARISMO, dentre elas a lei que não garantia mais a porção gratuita de comida (entre os alimentos o açúcar) para o final da vida das formigas. Quem quisesse açúcar, teria que guardar de sua própria labuta.
Assim, fora do Reino e sem a porção assegurada, 21 passou a carregar os alimentos para seu ninho, comendo obviamente o que separava de seu trabalho antes de chegar ao ponto de entrega.
Com o AÇUCARISMO, as antenas de 21 recebiam encomendas de mais açúcar e lá partia, o dia todo, entrando pela noite para cumprir sua cota de fornecimento e claro, pegar um pouco de açúcar. E no outro dia foi trabalhar nesse ritmo. E no outro, e no outro... Pouco descanso.
Como trabalhava sem parar, comia o que lhe surgia no caminho entre uma entrega e com o tempo não teve como guardar açúcar e outros alimentos para o futuro, pois a ordem era clara do Reino: levar o máximo que podia para dar de comer às outras classes de formigas.
Em um dia de muita luta, partiu sua antena direita numa pedrinha mal distribuída no corpinho que detinha. Em outra ocasião, perdeu uma perninha ao tentar fugir de um pássaro. Comia um pouco do açúcar, dava a maior porção em nome do AÇUCARISMO.
Com os dias, foi enfraquecendo e sentindo as consequências das perdas de sua condição Hymenoptera.
Chegou o inverno.
O inverno do século.
O inverno de 21.
Envelhecida, com deficiências físicas, vivia deitada enquanto transeuntes formigas bem alimentadas de açúcar passavam por cima, quase pisando-a.
A fome devorava.
Parasitas lhe subiam no exoesqueleto. Estava no fim.
Uma Cigarra que por ali passeava, reconheceu 21, a mesma cuja conversa longa de amizade daquelas que fazemos na rua todos os dias recebeu toda ordem de preconceitos pela ordem superior das formigas. Espalhou-se inclusive boatos que a Cigarra era uma vagabunda e não trabalhava. Até uma fábula para crianças inventaram.
A única verdade nas histórias todas que seguiam era que a Cigarra vivia com seu violino a musicalizar suas andanças. Parou quando viu 21 deitada.
- Fala 21, que contas? Que fazes aí deitada?
- Estou com frio e com fome amiga Cigarra.
- Isso é sério?
- Muito sério.
- Cara, cadê sua antena? Sua pata? Seu brio? Aquela força?
- Não sei, mana, depois que implantaram esse tal AÇUCARISMO, me arrebentei de tanto trabalhar.
- E veja como estás envelhecida?
- Pois é.
A Cigarra sentou, colocou uma das patonas no pseudo queixo, pegou o violino e cantou:
Eu só quero minha vida
Eu só quero minha vida
Pra que tanto trabalhar?
A quem meu tempo devotar?
Vamos sair, curtir, brincar
Que o tempo passará
Para um dono não matar.
Esticou a barra do violino e pediu:
- Segura, venha comigo para outros reinos.
- Nada tenho para levar.
- Melhor ainda.
E assim a Cigarra e a Formiga 21 viveram no LUGAR DOS BICHOS MISTURADOS, vendendo folhinhas, seivas e pedacinhos de frutas para os insetos em geral. Não ganhavam muito açúcar, era fato, mas trabalham apenas para ter o essencial. Ali todos tinham o direito da PREVIDÊNCIA INSETA.
Assim viveram para sempre.
Quanto ao antigo país de 21, soube-se que a terceira geração após a criação do AÇUCARISMO colocou milhares de formigas operárias massacradas pelo sistema a tentar derrubarar aquele sistema cruel.
Lutam até hoje.
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