domingo, 30 de junho de 2024

Cabelos astrais



Belém, 30 de junho de 2024.


Alerta para um papo de velho. Mas é que hoje é o último dia oficial das festas juninas. De quadrilha, de milho quente, de pipoca, roupas quadriculadas, forrós, Luiz Gonzaga e arraial. Ahh, quermesse, de roda gigante, de maçã do amor, tiro em caixinha de fósforo valendo urso de pelúcia. Enquanto isso, em 1987, em Monte Dourado, no Vale do Jari, nós aguardávamos ansiosamente por estas festas. Ano que também foi da explosão do grupo RPM, de Olhar 43, Loira Gelada e Flores Astrais. E antes, é bom explicar que eu era uma criança caminhando para a pré-adolescência, mas já admiradora do RPM, banda boa, bons sons. Muito da molecada da época queria ter aquele cabelo do vocalista Paulo Ricardo. Inclusive eu, que deixei crescer um tufo de cabelo na parte do cangote, um mullet, tipo de cabelo grande na parte do pescoço.

Coisa feia, cabeludinha eu estava a correr pela rua, aspecto de cabelo melado de suor. Porém, que não mexessem ou falassem mal de minha cabeleira que mirou no Paulo Ricardo e acertou no Zezé de Camargo em início de carreira. Eu me achava o máximo naquele visual, já minha mãe nem tanto.

- Carlinho, vai cortar esse cabelo, menino!

Meu pai gargalhava com os amigos na rodada de Antártica:

- Cabelo do Menudo!

- Menudo, Não!! - Eu protestava quase chorando. 

E tinha a Priscila. Sim, a menina que eu paquerava (termo de velho) de longe e que eu queria convidar para andar na roda gigante no arraial. Na primeira noite, nada pra mim, sequer uma reação dela a passear com as amigas. Tudo bem, a noite não foi tão perdida, ao menos ganhei uns trocados nas apostas de acertar a bola nos desenhos de time de futebol. Lembro bem, apontava e jogava a bola no escudo do Botafogo. Toma-te! Mais uns cruzeiros no bolso. Azar no amor, sorte no jogo.

E já aguardando a outra noite de passeio, minha mãe me ordenou que fosse cortar o cabelo. E fui quase na base de vassourada. O barbeiro cortou o projeto de rabo de cavalo que eu nunca teria. Acertou aqui, ali, deixou "rapazinho".

Cheguei em casa. Minhas irmãs olharam-me surpresas e sorridentes. Minha tia me caducou. Minha mãe disse:

- Agora simmmm!.

Eu realmente não entendia nada daqueles comentários. Fui à quermesse.

Minhas colegas de escola me viram e sorriram. Achava aquilo meio exagerado. De repente, vem a Priscila com sorvete na mão.

- Carlinho?

- Oi.

- Vamos andar na roda gigante?

- É... Vamos, é, vamos sim.

E naquele quinze minutos, o mundo lá embaixo ficou pequeno, tão pequeno e na minha frente uma menina tão bonita me oferecia sorvete, como se fosse a própria Lua me iluminando. Sem saber o que fazer, só aproveitei o momento de subidas e descidas naquela cadeira enferrujada e barulhenta. De vez em quando, passava a mão no cangote e sentia a ausência de minha cabeluda beleza. "Será que a Priscila tá me achando estranho sem meu cabelo maneiro?", pensei.  

Quando a roda-gigante parou, ela se despediu. 

- Tu é sempre tão calado?

- É... hã... o quê?

Deu-me um beijo no rosto e partiu. E meses depois, Priscila foi embora do Jari.

Naquela mesma noite, tentei a sorte no jogo. Errei todas jogadas. 

E tenho sido assim na vida: acerto mais do que erro, muitas vezes sem saber o que está realmente se passando. Caso contrário, como estaria aqui escrevendo sobre arraial, festa junina, roda-gigante, corte de cabelo, beijo no rosto e alvorecer da juventude com a saudade serena de quem teve uma história sortuda? 








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