domingo, 24 de fevereiro de 2019

O manejo florestal do pau-mulato: o anti-ensaio científico - Texto de 2005











Gurupá, 02 de Setembro de 2005*.

Carlos Augusto Ramos


O pau-mulato, cujo nome científico é Calycophyllum spruceanum Benth., pertence à família Rubiaceae, classificada na cadeia sucessional das florestas tropicais como oportunista, heliófila...peraí. Parou. Vamos mudar o rumo dessa prosa. Do jeito que estava, ficava claro que eu ia de encontro aos padrões acadêmicos da vida. Sei que o leitor ou leitora deve ter passado ou ainda passará pela experiência de elaborar algum artigo para uma revista de ciência e saibam que não vou avacalhar com todo o sistema de pesquisa vigente e sua padronização redacional. Não é o caso. É importante o garbo para redigir uma investigação científica.

Entretanto, minha indagação é: já pensaste transformar seu estudo em uma forma simples e didática para que todos tenham mais chance de entender o que você quer dizer. Já avaliou a sua intenção real de devolver à sociedade o que aprendeste e pesquisaste? Alguém que você gosta muito entenderia o seu recado? Alguma tia, daquelas que encontras no típico almoço de domingo, captaria a vossa mensagem, ó renomado guru?

Eu mesmo tenho tentado escrever artigos e ensaios que seguem as normas de escrita acadêmicas. Sinto-me limitado por não conseguir escrever de forma complicada, ou prolixa, como diriam alguns colegas. De tanto andar em comunidades na Amazônia, fiquei por demais “avexado” em redigir para gente simples entender. Feitas tais considerações, vamos voltar ao tal pau-mulato.

Pois é, o mulateiro é uma árvore de várzea, mas não sei ainda porque  cargas d’água o sujeito em grande quantidade só aparece nas áreas que correm junto ao leito do rio Amazonas, principalmente na região que vai do município de Alvarães à Costa Amapaense, na foz do Grande Rio Amazonas. Deve ser alguma coisa relacionada ao vento, já que suas sementes são verdadeiros pozinhos e as correntes de ar mais fortes as jogariam longe. O interessante é que não se encontram a mesma quantidade (são raros indivíduos) entre Belém e Breves ao longo do rio Pará, onde também venta muito. Será que o estreito de Breves isola essas árvores?

Voltando a falar das flores e lembrando Geraldo Vandré, a floração do mulateiro ocorre praticamente o ano inteiro, de fevereiro a dezembro, pelo menos no que pude notar. Não, não fiz uma experimentação de repetições e mais repetições para chegar a uma média ponderada. Apenas enxerguei durante seis anos de andada de voadeira, barco ou a pé na lama varzeira o período no ano de florada.

Percebi que as árvores entregam suas pequeninas sementes para que o vento-carteiro as entregue no piso da mata. E assim elas ficam guardadas, dormindo embrulhadas pelas folhas dos pracuubais e açaizais, acalentadas pelo canto do quiquió, ouvindo as estórias das cutacas e tremendo o trovão. Mas por que temer? Às vezes alguns têm que tombar para outros vinguem, pois cada um tem o seu trabalho para mostrar a esse mundo e dessa maneira cai a pracuubeira, atravessada pelo raio fulminante dos céus. Um clarão na floresta se forma e o sol esperto estica-se ao solo, despertando as preguiçosas sementes de pau-mulato para a vida. “Vamu levantá!”, ralha o astro-rei.

A nova planta surge para ser reta, de tronco liso, não por capricho, mas para trocar de casca a todo o momento que se desenvolve. Será que pensa que é camarão para trocar de casca pra crescer? E vai subindo deixando galhos e galhos para trás, rápida, objetiva, procurando luz. Se tiver alguém querendo lhe roubar o sol, procura vencer. Nessa luta, pode perder para a embaúba que a sufoca com sua copa de folhas em forma de palma da mão. Ambas sabem que sua missão é ficar logo desenvolvidas para dar sombra e permitir que um filhote de pracuúbeira se meta entre eles, para quem sabe, no futuro, ser porruda e forte como aquela que tombara em tempos passados. A vida vai assim trocando os papéis na várzea estuarina.

Os adultos paus-mulatos tornam-se poderosos e lá se vão parar nas motosserras dos homens, virando tábua, frechal, até móvel. Quem mandou espichar veloz e com cerne resistente? O marupá também é ligeiro, mas seu interior não é tão maciço. O Angelim é madeira-de-dá-em-doido, porém vagaroso. Eis o mulateiro abastecendo as cidades de Santana, Gurupá, Afuá, Mazagão, Belém e outros logradouros. Seja em tora, seja serrado.

Então alguns ribeiros perceberam que seria bom manejar a espécie desde pequeno. Viram que nas suas roças abandonadas, grelavam inúmeras plantinhas do dito cujo e aí ficou a dúvida: por que não acostumar essas árvores a se comportarem retas desde cedo e espaçados entre si? Pensaram que seria uma maneira de aproveitar as capoeiras. É o que vem ocorrendo.

Primeiro deixam as plantas se engalfinharem por espaço e luz por uns  dois anos, retirando apenas as que não interessam, fazendo uma primeira seleção entre elas a partir do crescimento. Se ainda miúdas você dá liberdade por demais, com espaçamentos, ficam mal acostumadas e desde então começam a esgalhar pra tudo quanto é lado, querendo parecer com outro membro de sua família, o café. A disputa é necessária. Você só precisa livrá-las da sombra de alguma outra árvore ao redor.

Dois anos em diante, começam-se os primeiros espaçamentos. Dois passos de uma arvoreta para outra é o bastante. Alguns produtores têm aproveitado para colocarem mudas de açaí aqui e ali. Como são amigos de copa rala, não incomodam um ao outro em repartirem a mesma senhora, a luz. Seis anos. É hora de um novo desbaste. De dois passos para quatro. Opa, aumentou o espaço, coloca-se o cupuaçu, o cacau, até cana. Isso eu aprendi com o seu Lauro, grande trabalhador lá do rio Jaburu. Assim temos uma área antes jogada ao léu em reserva produtiva de madeira, que consorciada com o açaí e frutíferas, ajuda a valorizar ainda mais a posse do cidadão. De quebra, garantirá estoque de pau-mulato em área já determinada, não tendo que procurar tantas outras árvores na mata.

Agora, se não tens paciência para esperar de doze a quinze anos para as árvores chegarem no ponto de abate, saiba que – segundo a engenheira florestal Sheyla Leão – pode-se aproveitar a casca que o mulateiro solta durante o seu crescimento para venda, fornecendo matéria-prima para empresas de cosméticos e remédios. Alguns trabalhadores de Gurupá venderam seiscentos quilos de casca a cinco reais o quilo, gerando uma receita de três mil reais no ano de 2005. Pronto, seu apressado!


Finalmente, caríssimos e caríssimas, o importante é que você use a mata da melhor forma possível, diversificada e sem modismo, por favor. Chega de ciclos! Borracha, ouro, juta, madeira e palmito foram corridas humanas que somente humilharam os amazônidas de fato, como se só tivéssemos um produto de cada vez para ser ofertado pela natureza. Balela do mercado! Fanfarrões do capitalismo! Sejamos alternativos, geniais, sem perder a simplicidade como os caboclos e ribeirinhos desses rios afora.



Publicado originalmente na página Recanto das Letras.


(*) Texto do ano de 2005, quando dos trabalhos de Carlos Augusto Ramos na ONG FASE Gurupá. Foto da Oficina de Manejo Florestal de Pau-Mulato, Ilha de Santa Bárbara, Gurupá-Pa. Agosto de 2001. Foto: Carlos Ramos.
(*) Pessoas na foto (se minha memória não falha e obrigado à Arikeyla Torres pela ajuda) - Benedito, Romualdo, Benedita, Joel, Ozinaldo, Maria Jose,  Benedito, Sílvio, Andrezinho (agora deve estar Andrezão rsrs), Manoel do Carmo, Ricardo Júnior e Francisca.



sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Crônicas, Passageiro: Epifania



Macapá, 13 de fevereiro de 2019.

         Não bebo. Mas já fiquei embriagado, porre mesmo. Tinha quatro anos de idade. Quem mandou aquela garrafa de cerveja fica ali exposta? Meu pai estava na alta prosa com seus amigos e não percebeu que eu matava minha curiosidade sobre aquela bebida tão procurada por aqueles senhores. Não sei se esvaziei uma garrafa, mas o efeito veio. Somou-se esse ato assim às primeiras lembranças que tenho: de entregar a mamadeira caminhando para meus pais aos dois anos, de viajar na carroceria do caminhão de mudanças do Jurunas para o Telégrafo, em Belém; e no meu primeiro e único porre (e aproveitando a deixa, quais são as suas três primeiras lembranças, leitor ou leitora? Ponha a mão no queixo e puxe pela memória).    
         E chorei. Muito. Minha mãe contou-me mais tarde que me colocaram embaixo do chuveiro pois eu estava tonto por demais. Enquanto a água caía na cabeça eu, soluçando, gritava: “Eu tô nervoso! Eu tô nervoso!!”. A única coisa que conseguia expressar naquele mundo girando. Esse trauma, mais a leitura do livro de Ajax Silveira intitulado O Drama do Alcoolismo (que meu pai comprou, sendo eu, no entanto, aquele que leu), juntamente com os finais de semana complicados de gestão de ébrios fizeram-me desistir ao longo da vida de beber álcool. Como exceção, em ano que surge a oportunidade, tomo uma taça de vinho, mais pela simbologia do Natal e analisando o efeito benéfico do vinho para o coração. E até nisso sou cabreiro, pois uma crise renal em 2007 teve o vinho como suspeito. Eu sei, eu sei que foi falta d´água no corpo, mas olha o que é uma desconfiança!
         Confesso, Epifania é algo que às vezes busco para fugir dessa dura realidade que vivencio junto com vocês. E já que não bebo, viajo na mente e contemplo a natureza, seja a total, seja na lupa de uma concentração para a natureza humana. Livrar-se para religar-se em algo Superior, exercício quem sabe no caminho de uma espiritualidade que essencialmente traga o Amor, a Serenidade e a Bondade da Vida, deixados os partidarismos religiosos de lado. Arrisco em comparar que assim como a Sociedade é maior que governos, Espiritualidade é maior que religião. Putz! São essas minhas viagens que dão uma vontade braba de beber água-que-passarinho-não-bebe! Paro, porém, quando lembro de minha possível pré-predisposição para um etílico sem controle. Melhor deixar quieto. Transmutar, eis a cuíra!
Na noite de 7 de fevereiro de 2019, foi diferente. Fui provocado a escrever uma nota técnica sobre o RADAR COMUNITÁRIO, método de Diagnóstico Rápido Participativo (e Mobilizador) que temos trabalhado desde 2015, cuja figura esquemática de resultado, construído participativamente, apresento a seguir:
Trecho da Nota Técnica sobre o RADAR COMUNITÁRIO.


         Durante a escrita desta recente nota técnica, eis que em algum momento tive que recorrer à minha dissertação de mestrado de 2000 para buscar um argumento que ali se encontrava. Não a visito muito, até torço o nariz. Não vou muito com a cara do Carlos Augusto do mestrado. Mirei os olhos no que me importava e sem querer avistei a seguinte figura:

Trecho da Dissertação de Mestrado de Carlos Ramos. 


        E brigados o Eu de hoje com o jovem Carlos de 25 anos de idade, resolvemos sentar pra conversar sobre gráficos. Enquanto ele me explicava a ideia de tentar explicar um diagnóstico socioeconômico por meio de um triângulo, eu o interrompia vez em quando para que ele me deixasse também falar, alertando que de nada valeria tal construção de desenho sozinha. Que muitos teriam que construir juntos o quadro da realidade em formato de infografia para quem sabe, haver uma mudança. Passamos também a falar sobre sua briga com o orientador.
“Tu devias ser menos arrogante”.
“Arrogante? Ele queria impor a sua vontade na minha dissertação! Eu sabia o que tava fazendo! ”.
Difícil falar com este jovem, vou te contar! Ele continuou:
“Mas voltando pra cá, e se a gente fizesse um sistema de notas para perguntas relacionadas a estes parâmetros e resumir num desenho para todos verem? ”.
“Não vejo novidade aí”.
“Tá, pode até ser nada de fenomenal, mas vou deixar assim mesmo”.
"Teimoso. Mas e se todos não ficassem apenas olhando, e sim, participando deste auto-retrato da comunidade?
"Tu achas possível?"
"Não só acho, como entendi de onde veio a ideia. Veio de você, rapazote. Vou pegar seu triângulo, vou desfiar cada um desses três indicadores, potencial humano, natural e externo para outros que possam ser melhor entendidos pelas comunidades, naquilo que elas acham fundamental para o bem-viver. Algo que seja livre até na composição dos indicadores, na reflexão conjunta do que deve ser levado em consideração num território".
Nesta conversa, viajei para o ano de 1999 e revi todo o quarto de trabalho, a cadeira velha, o computador pé-duro 486, sendo o Pentium um sonho distante de consumo. A mesa do computador? Um improviso usando a velha cômoda (que eu chamava com um nome mais antigo ainda: penteadeira), que possuía 3 espelhos com dobradiças que ao se disporem uma diante da outra, forjavam imagens infinitas nesta maravilhosa lei da física que é a reflexão.  A visão psicodélica de centenas de Carlos (até onde eu podia contar) brincando de olhar a cada dos outros inutilmente, pois eles também se mexiam simultaneamente. Penteadeira do menino Carlos de 8 anos que já reparava que o fermento da marca Royal tem no rótulo desenho do fermento da marca Royal e lá no fundo outros, outros até se perder a vista. E nos espelhos paralelos, conseguia finalmente ver meu pescoço por trás. Égua! Só orelha! Mas eis que de repente vejo o Carlos do mestrado quase que dormindo sobre a dissertação, mexida, remexida e “transmexida”. Levantou a caneta e começou a rabiscar um triângulo, reparou o que podia ser o ideal, nota 10 e o que seria o pior, nota 0. Começou a dar nota para seus indicadores a partir de seus subitens, um 2, um 6, um 5, etc. Deu nota ao potencial natural, ao potencial humano e ao potencial externo. Porém, estava solitário nesse exercício, ninguém em casa pois as filhas e a esposa tinham saído.  Queria a interlocução e as centenas dele conversaram lá do espelho. Só que isso não vale. O que vale mesmo é ter agora muitas pessoas de verdade construindo um hexágono, o RADAR COMUNITÁRIO sem dono, sem rumo, mas querendo o bem de todos, o sossego.
Carlos do Mestrado e o caduco de hoje fizeram as pazes. E tu, leitor ou leitora, já te acertaste com o teu Eu de ontem? Conheces a ti mesmo?

Quanta viagem! E nem bebi! Já pensaram se eu bebesse??


E chegando o carnaval, vai com calma. Aprenda a percorrer a vida como aconselha a Carreta Furacão:

- Siga em frente, olhe para o lado...









terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Sobre os Repasses Federais aos Marajoaras 2018


Só se pode mudar o Brasil assim: do Avesso!



Carlos Augusto Ramos[1]

Macapá, 11 de fevereiro de 2019.

Caríssimas e Caríssimos,


Estamos na luta!

Atento aos sinais.

Atento aos números e à cada passo que tenta oprimir a população, nesta parede que se move para nos esmagar. Sim, porque o muro não quer apenas nos separar, ele quer nos sufocar, espezinhar, sádicos que são seus construtores. Não são mais homens. São servos de algo que realmente deseja que a Humanidade se suicide. No mundo. No Brasil. Na Amazônia. Números, algoritmos, falta de alma. Neofascismo rápido, envolvente, sedutor, teste do quão justificáveis somos. Acredito que estamos desde 2013 e mais destacadamente desde 2016 à prova se somos realmente dignos de nossas conquistas, se estamos acumulados do conhecimento iluminista, humanista, dialogável, antikafkiano para evoluir. E muitos não passarão neste teste. Serão espiritualmente e historicamente não evoluídos!

No final de janeiro, tive fechada a conta do Repasse Federal em 2018 para os 16 municípios do Marajó. Dados coletados junto ao Portal da Transparência[2], cujo desempenho acompanho desde 2015. Um montante de R$ 820.863.814,24 (oitocentos e vinte milhões, oitocentos e sessenta e três mil, oitocentos e quatorze reais e vinte e quatro centavos) foram investidos ano passado para os 557.231 habitantes marajoaras (de acordo com estimativas do IBGE[3]), média de R$ 1.465,71/habitante do Marajó, o que equivale a R$ 122,14/mês de investimento por morador desta mesorregião do Pará.




O valor de repasse federal por marajoara diminuiu em quase 7% em relação a 2017, valor que ficara em R$ 1.561,01.

Piorou muito a nossa situação? Sim, infelizmente, piorou. Em 2017, uma consultoria contratada pelo Banco Mundial estabelecera que o limite para a linha da miséria estaria em R$136,00/mês de renda domiciliar[4]. Neste ano, o Governo realizou repasse federal abaixo deste índice para a população da região (cuja conta aconselho que outros territórios o façam), a qual recebera R$130,08 por habitante. Em 2018, o Governo Federal afastou-se mais ainda, já que alcançamos apenas R$122,14 mensais de investimento/habitante.  E com os atos desastrosos dos mandatários, como o fim do Programa Mais Médicos, por exemplo, e de uma série de medidas no mínimo, duvidosas do ponto de vista da Alteridade[5] como a proposta de Lei “Anticrimes” do atual Governo[6], temos a real ameaça de um estado opressor contra os pobres, robótico, de gestores que chegam a tocar na linha da estupidez.


"As coisas ficaram ruins depois que eles foram embora. No dia que foram, eu fui lá bater uma foto com eles pra guardar de recordação. Eu até chorei. Agora nosso médico é Deus. Porque no posto mesmo, não tem nenhum."

Dona Maria, 83 anos, lamentando o fim do programa Mais Médicos. Melgaço-Pa. 11/02/2019.



Diante dos ataques à Democracia, esta pobre moça frágil que vive numa relação abusiva com os grandes mercados, não possui ela forças para sussurrar questionamento à Dívida Pública Brasileira, que ano passado enriqueceu mais uma vez os bancos privados, com o direcionamento de 40% do Orçamento Geral da União para tais especuladores[7]. Aviamento sem dúvida.  Por outro lado, lixo para nos cobrir em 0,02% de destinação para o saneamento básico no Brasil.

E diante de tudo isso, resolvo aqui por livre e espontânea maluquice (e sei dos riscos do eletrochoque voltando pro SUS) propor o VALOR MÍNIMO DA DIGNIDADE (VMD), medido a partir do Repasse Federal Anual por Habitante nunca abaixo do valor de corte da Linha da Miséria per capita sugerido pelo Banco Mundial. Só para começarmos o debate.  Isso significa que os municípios deveriam receber compensações por ficarem por 2 anos consecutivos com investimentos federais abaixo do valor de R$136,00 mensais de renda domiciliar. Se o cidadão tem não tem o mínimo, o Estado Brasileiro precisa dar este mínimo.

Caso contrário, somos a ralé decididamente entregues à própria sorte. De uma mortandade não às pressas desta vez, porém mastigantes de nossa precariedade.


Ah, já ia me esquecendo:


A Emenda Constitucional 95 de 2016, de Teto dos Gastos Públicos é INCONSTITUCIONAL e um sinal de quebra entre os entes que formam a República Federativa; é ato de separação unilateral dos Governos em relação à sua população.
               







[1] Engenheiro Florestal, Consultor Socioambiental, nascido em Portel, registrado em Belém, criado no Jari.
[5] Alteridade - natureza ou condição do que é outro, do que é distinto.
[7] Ver o gráfico da Organização Não Governamental Auditoria Cidadã da Dívida em https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2019/02/grafico-2018.pdf







sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Ei Balsa! Volta Aqui! - Portel Madeireiro 2017

Caríssimos e Caríssimas,

Primeiramente informo que trago aqui números novos, mas atrasados pela importância de termos isso nas mãos para a mobilização da sociedade em tempo hábil. Entretanto, já podem ajudar na demonstração do quanto Portel, no Marajó, Estado do Pará, precisa valorizar seus recursos naturais e pautar políticas de geração de emprego e arrecadação.

Apresento a seguir a movimentação de Portel em volume transportado e valores financeiros a partir da comercialização de madeira em tora no ano de 2017, segundo dados do IBGE/PEVS (Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura - ver página na internet).

Muitas árvores foram derrubadas e destas, quantas são de manejo e quantas foram exploradas ilegalmente? Como ocorre essa mistura de madeira legalizada e clandestina, prática imoral que empobrece as gerações?







Série histórica do volume de madeira em tora explorado em Portel segundo o IBGE. 


990 mil metros cúbicos se madeira é como se fossem derrubadas no mínimo 50 mil árvores!  Será que essa movimentação envolve somente Portel?


Apresento a seguir a série histórica da movimentação financeira de Portel a partir da exploração e comercialização da madeira em tora:







Série histórica da movimentação financeira de Portel a partir da exploração e comercialização da madeira em tora.

Em 2017, de acordo com o IBGE, a receita gerada envolvendo madeira em tora em Portel foi de 217 milhões de reais. Imagine a arrecadação de Imposto Sobre Serviços (ISS), tributação que vai para os cofres municipais? Se cobrados de 2% a 5% da nota fiscal pela movimentação de veículos que transportam a madeira, no caso, as balsas, chuto aqui numa conta de balcão, arrecadação mínima de R$4.356.000,00, com máximo podendo chegar a R$10.890.000,00. 



Tais valores poderiam reforçar em orçamento o que Portel recebe anualmente do Governo Federal em FPM (Fundo de Participação dos Municípios).





















Pela curiosidade que tenho, resolvi analisar o valor do metro cúbico em tora para entendermos como a valorização das espécies florestais tem ocorrido ao longo dos anos, na razão entre a receita gerada no ano e o volume de madeira em tora comercializado:



Sobre esses valores de madeira, em 2016 fizemos um exercício o IEB, técnicos como eu e lideranças comunitárias de valoração da floresta, que ainda vale para confrontar o preço médio da tora de madeira em Portel em 2017 de R$220,00:

























Sigo na construção de uma conclusão: Não é verdade que o setor florestal madeireiro de Portel está falido. Podem estar decaídas as serrarias da cidade, mas a indústria de exploração de madeira em tora vai muito bem, obrigado.



Ei Balsa! Volta Aqui!

Que levas! Que levas daqui????!







sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Crônicas, Passageiro: Pobreza é não ter escolha


"Pobreza é não ter escolha", gostou da frase Jô. Olha que interessante, seria uma máxima eu que teria inventado?  Não que eu queira na ambição boba um dia pesquisar no Google e achar lá o nome Pantoja Ramos vinculado ao termo  pobreza é não ter escolha, isso, repito, é bobagem. Interessa-me muito mais provocar alguém para que leia este pseudo ditado, olhe pra cima e repita em voz quase sibilante um "taí, pobreza é não ter escolha", sorrindo e avaliando filosoficamente como fez João Grilo sobre a parte final da sentença proferida por Chicó no Auto da Compadecida: "pois tudo que é vivo, morre, taí?"[1]. Mesmo o sabido João Grilo se surpreendeu com a profundidade proferida pelo amigo.

Tal frase saiu de mim assim sem programação, talvez cuspida de tantas andanças e viajadas de barco pelos interiores da Amazônia. Acúmulo de visões e conversas, diagnósticos socioeconômicos e ambientais sem ficha de entrevistas e sim na base da prosa. Eu vi a fome? Vi. Eu liguei os pontos sobre lugares onde havia exploração sexual de crianças e adolescentes? Sim (Tajapuru). Eu constatei jovens se embriagando e descontando seus traumas nas ruelas em forma de assalto? Constatei. E de tanto caminhar, não sei o porquê de sair a frase, mas saiu: “pobreza é não ter escolha”.

Se olhas para os lados e não tem comida, é a máxima forma de pobreza. É a miséria, hoje orçada quando uma pessoa tem menos de R$136,00 mensais para se manter[2].

Se não tem caderno, se não tem escola, se não tem professor ou professora, ou falta gasolina para o transporte dos estudantes, ou falta merenda para meninos e meninas em plena fase de nutrição do cérebro a partir da boa alimentação; e se não estudei por falta de escolha diante de tantas condicionantes, fiquei pobre.

Se me contundo na bola e vou atrás de um posto de saúde, não encontrando material que me cuide do joelho, nem médico (que até tinha na cidade próxima, mas foi embora pra Cuba), minhas escolhas são limitadas. Sem alternativa a não ser rezar para que Dona Nazaré e seu óleo de andiroba me sejam milagrosos (e são às vezes) enquanto consigo ir para a capital para exames mais minuciosos. Enquanto isso, ando a dor do peso dos anos, capenga de um lado. Contudo, mais capenga é um país com declínio de solidariedade.

Nosso país é midiaticamente pobre de conteúdo, enquanto paradoxalmente milionários seus barões da comunicação. Ou é proposital? Não sei nem se tenho escolha para obter outras formas de informação e conhecimento, pois o que me chega é que a Televisão e os Grandes Jornais são os detentores da notícia. Não, estou equivocado. Não é bem assim, torno-me rico quando pesquiso e encontro muitos profissionais sérios do jornalismo no Youtube e outras páginas da internet. Tenho escolha, só não sabia. Sou pobre neste sentido (as das notícias) até perceber que não preciso ser.

A escolha e seu irmão mais velho e sábio, o Livre-Arbítrio, são elementos que precisamos exercitar. Entender que algumas redes sociais lançam uma falsa sensação de liberdade, provada por A+B nas últimas eleições dos EUA e no Brasil.  Não sou filósofo, mas de tanto estranhar as propagandas e temas que me chegam como se soubessem o que estou assuntando ou tenho preferência, fiquei a desconfiar dos algoritmos, que agridem minhas escolhas livres por meio da captação de meus dados pessoais[3]. Se Espinoza diz que precisamos nos libertar dos nossos sentimentos e sensações para obtermos tranquilidade[4], o volume de informações falsas e induções que mexeram com o emocional dos eleitores brasileiros ideologicamente e na prática culminaram que milhões de pessoas elegessem mandatários provavelmente a não nos trazer paz nos próximos 4 anos e isso já se vê desde o dia 1 de janeiro de 2019. Portanto, devemos monitorar o quanto da modernidade trazida nos aplicativos de celulares nos prejudica em nossa capacidade natural de decidir em favor do bem-estar coletivo. Ou seremos Id-Otas (aqueles que só olham para o próprio umbigo)[5]?.

De tanto viajar e perceber que não sou nenhum técnico genial, mas apenas um apresentador às pessoas de escolhas técnicas e escolhas políticas nas comunidades onde trabalhei, percebi que os resultados destas famílias surgem quando elas entendem possuir opções para jogar com esta ou com aquela carta contra as falhas governamentais. Nada fenomenal, apenas o demonstrar que pode haver uma escolha, uma bomba d´água diferente, uma forma outra de manejar a floresta, uma modalidade fundiária, se planto essa árvore frutífera ou aquela outra, tudo aquilo que possa enriquecê-los na Esperança.

Por fim, penso na pobreza de espírito de algumas pessoas. Que não abrem a mente e o coração para o diverso e o plural. Que internamente estão com a porta fechada para as possibilidades do pensamento humano e para outrem. Que aboliram o debate, que é canal de alternativas. Um país mais pobre do que nunca em diversas áreas se não nos mobilizarmos.


Pobreza é a falta de Escolha.










[1] “É verdade; a cachorra morreu. Cumpriu sua sentença, encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre...”.
[2] Veja o cálculo feito com bases em estudos do Banco Mundial em https://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas , o qual me fez denunciar a Emenda Constitucional 95 como um ato contra a população mais pobre em https://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com/2018/05/sobre-os-repasses-federais-aos.html
[4] Recomendo a leitura do livro “O Mundo de Sofia” para entender de maneira didática Espinoza e outros pensadores consagrados da Filosofia.
[5] Mário Sérgio Cortella comenta este termo em seu vídeo publicado na página https://www.youtube.com/watch?v=XjpHBYLwL8Q






sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Crônicas do Corte: E o Serviço Florestal Brasileiro foi parar no MAPA...




Carlos Augusto Ramos[1]
Pollyanna Coêlho de Sousa[2]


O Serviço Florestal Brasileiro (SFB) até o final de 2018 era uma unidade vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Desde a sua criação em 2006, por meio da Lei 11.284 de Gestão de Florestas Públicas, tem objetivado “a missão de promover o conhecimento, o uso sustentável e a ampliação da cobertura florestal, tornando a agenda florestal estratégica para a economia do país”[3].

Um dos pilares iniciais do SFB foi a implantação das chamadas concessões florestais, contratos que permitem a exploração de madeira por empresas em florestas públicas. Tais permissões só ocorrem após passarem por um processo licitatório em que prevalecem o melhor preço pago ao Estado Brasileiro pela extração da madeira em pé, melhor plano de manejo florestal e melhores estratégias de beneficiamento dos produtos florestais madeireiros e geração de empregos nos lugares onde é implementado. Ao contrário do que se previa, tendo por base as denúncias de que poderia ser uma maneira de privatização da floresta,  gerou um amplo debate e operacionalização do uso florestal promovido pelo Estado Brasileiro. Antes da lei 11.284, as empresas entravam em qualquer área pública, exploravam, criavam o conflito e se retiravam, quase nada a deixar em termos de arrecadação para os cofres públicos. Não que isso não ocorra hoje em dia, porém, é matéria resolvida na lei que toda exploração madeireira empresarial em florestas públicas sem plano de manejo e sem gerar arrecadação é crime ao meio ambiente e ao tesouro[4].

Hoje cerca de 1,018 milhões de hectares estão destinadas para 12 concessões federais em regime de manejo florestal que respeita os ciclos de corte[5]. Em 2017, segundo o relatório de monitoramento do SFB, arrecadaram-se 6 milhões de reais[6] de um total de 174 mil metros cúbicos explorados, valores repartidos entre a União, Estados e Municípios.  Para se ter uma ideia de escala de valores, no mesmo ano de 2017, o município de Portel-PA, Marajó, segundo estudos do IBGE/PEVS[7], movimentou cerca de 217 milhões de reais a partir da comercialização de 990 mil metros cúbicos de madeira em 2016.  Quanto poderia arrecadar Portel se considerado o Imposto Sobre Serviços[8]? Quanto desse volume de madeira (990 mil metros cúbicos) vem de áreas particulares? Teriam madeira de florestas públicas? Se comprovado que sim, que houvera exploração indevida em florestas públicas, qual é a dívida destas empresas ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, que recebe os recursos da exploração em florestas públicas?

Infelizmente, alguns processos de outorga florestal culminaram na assinatura de contratos com empresas para a exploração de madeira falhando em casos como da Floresta Nacional de Caxiuanã no Pará[9] e Flona Saracá-Taquera[10] quanto ao reconhecimento do uso legítimo da terra e dos territórios das comunidades tradicionais locais. O artigo 6º da Lei 11.284 é até hoje um dos mais valiosos da Lei 11.284 em termos de defesa de direitos dos povos e comunidades tradicionais, o qual deve ser observado e respeitado[11]. Não é justo que comunidades destas Florestas Nacionais que vivem há gerações não tenham seu Contrato de Concessão de Direito Real de Uso como no caso das famílias de Caxiuanã, enquanto que em curto prazo empresas recebem sua concessão florestal.

Em se tratando de comunidades tradicionais, além da Gerência Concessões Florestais, outra importante gerência era abrigada no SFB: a de Florestas Comunitárias. Este departamento lida com a maior área somada de florestas públicas, onde vivem comunidades tradicionais em suas reservas extrativistas, florestas nacionais, territórios quilombolas, reservas de desenvolvimento sustentável, projetos de desenvolvimento sustentável e projetos de assentamentos agroextrativistas, abrigando territórios tradicionais reconhecidos pelo Decreto 6.040/2007. Tal decreto instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais[12].  Nas Florestas Comunitárias, que somam 136 milhões de hectares, vivem cerca de 2 milhões de agroextrativistas, agricultores familiares e assentados da reforma agrária[13].  Apesar do contingente de habitantes e da abrangência, ficou esta gerência relegada à um segundo plano dentro do SFB nos primeiros 5 anos de sua criação.

O resultado mais substancial no período da Gerência de Florestas Comunitárias, como incentivadora da política florestal no país, foi a publicação do Decreto nº 6.874/09, que instituiu o Programa de Manejo Florestal Comunitário e Familiar, que conceitua esta categoria de manejo como sendo “a execução de planos de manejo realizada pelos agricultores familiares, assentados da reforma agrária e pelos povos e comunidades tradicionais para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema”.  Este marco legal permitiu que iniciativas comunitárias como as da COOMFLONA, Flona Tapajós, Santarém-PA[14], e da ACDSRA[15], Reserva Extrativista Verde Para Sempre, Porto de Moz-PA, tivessem a oportunidade de receber amparo institucional e de divulgarem ao mundo que o manejo florestal comunitário madeireiro é viável economicamente para as famílias locais, cuja relação e cuidados com a floresta são bem mais presentes do que a relação fria de negócios tratada pelas empresas.  

Com a publicação em 2012 do Decreto 12.651, conhecido como o Novo Código Florestal e de sua regulamentação por meio da Instrução Normativa MMA nº 2 de 5 de maio de 2014 , é criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, assim descrito na página do SFB como o “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente - APP, das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento...”[16].  De gestão do SFB, até 30 de novembro de 2018, a unidade verificara o cadastro de 5,5 milhões de imóveis rurais no Brasil, totalizando uma área de 469.763.245 hectares inseridos na base de dados do sistema SICAR[17].

Com a nova função e tendo como diretriz a sua prioridade de execução e gerenciamento, o Serviço Florestal Brasileiro passou a ter o CAR como carro-chefe, mais uma vez relegando-se a um segundo ou terceiro plano as atividades da Gerência de Florestas Comunitárias. Mesmo o diálogo sobre esta importante ferramenta ambiental com as comunidades tradicionais na Amazônia não foi satisfatório, haja a vista: a) a dificuldade de homologação no sistema do Módulo Povos e Comunidades Tradicionais para se fazer CARs Coletivos; b) o número de casos de grilagem de terras utilizando o CAR em áreas comunitárias, denunciados por várias entidades da sociedade civil, pesquisadores, membros do Ministério Público e jornalistas[18]; c) os primeiros casos de uso do CAR para especular sobre créditos de carbono[19]. Interessante notar que os números do SFB comprovam que dos 93 milhões de hectares de áreas cadastráveis na Amazônia, 142 milhões foram cadastrados no sistema, uma diferença a mais de quase 50 milhões de hectares que pode ser a chave do entendimento das causas que ajudaram no aumento dos conflitos agrários na região nos últimos anos.

Suas câmaras de diálogo, sobretudo a Comissão de Gerência de Florestas Públicas e o Conselho do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal permitiram o debate para que houvessem avanços na política florestal no Brasil. Não se avançou a contento como se esperava talvez por falta de uma melhor comunicação com o público em geral e mesmo com parceiros institucionais como o ICMBIO e INCRA, mas lá estava o SFB, com suas ferramentas e espaços para serem ocupados pela sociedade.   Estando agora no MAPA ou, sem rodeios, politicamente nas mãos da Bancada Ruralista com seu fundamentalismo agrotóxico, como fica a discussão entorno das florestas brasileiras? Terá ironicamente o SFB o mesmo destino das milhões de árvores derrubadas pela ala mais vil do agronegócio ganancioso que não se mostrou capaz de mudar seus conceitos e práticas? Nem campanhas “agropop-tech-tudo” conseguiram apagar suas irresponsabilidades.


E agora? O que fazer?


Após a “ressaca” por tal mudança repentina e inimaginável há pouco tempo - e é preciso entender que tal ressaca deve ser imediatamente superada – chega-se a um novo momento, que deve ser de calma, reflexão e atitudes. Ficar chorando e hostilizando os simpatizantes do novo governo só irá fortalecer ainda mais as forças malignas que rondam nossos recursos naturais que perceberam sua real chance de decidir a vida de milhões de pessoas e de toda biodiversidade brasileira em nome lucro máximo para poucos.

Antes de tudo, é necessário que se tenha um olhar sem preconceito para o MAPA enquanto instituição e missão. Existem iniciativas importantes que devem ser ressaltadas com relação a recuperação de áreas degradadas, que também é um dos papéis do SFB. A Lei 10.711 que instituiu o Sistema Nacional de Sementes e Mudas, o Registro Nacional de Sementes e Mudas e a Instrução Normativa 56/2011 são exemplos de regulamentações do MAPA que vão de encontro ao processo de recuperação florestal, pois garante a procedência ao ato de plantar. Mesmo que hajam críticas atuais de que a burocracia do MAPA dificulta a vida dos produtores, é importante reconhecer que é melhor ter algo para criticar do que não ter elemento algum para enquadrar os grandes produtores agrícolas quanto aos impactos causados por estes nas áreas de preservação permanente, além de ser uma tentativa de regularizar e fortalecer este ramo florestal – reposição/plantio florestal.

Outro exemplo da interação que o MAPA pode ter com o setor florestal e até da Gerência de Florestas Comunitárias são as regulamentações que versam sobre a produção e comércio de produtos da sociobiodiversidade como a castanha do Brasil, desde o extrativista até o exportador no cuidado e obediência às normas de proteção à esta espécie da flora brasileira ameaçada de extinção[20], ressaltando também que existem regulamentos para o comércio das demais espécies vegetais, como o cumaru, por exemplo.  Uma vez que o SFB está no MAPA, terá a unidade de política florestal a autonomia para trabalhar no fortalecimento de sua missão e ainda unir esforços com os profissionais do novo ministério que os abriga? Será apenas uma inerte sala misturada na imensidão de setores do Ministério?

Sobre a implementação do Cadastro Ambiental Rural e passagem para a próxima etapa, de inscrição dos cadastrados ao Programa de Recuperação Ambiental - PRA, terá a nova ministra da agricultura pulso firme, autoridade e respeito para agir de acordo com ética e responsabilidade, por exemplo, na execução do cancelamento sistemático dos CARs de má fé espalhados em todo o país, principalmente na Amazônia? Será cumprida o imperativo de se recuperar os milhões de hectares das margens dos rios e igarapés desmatados pela pecuária e agricultura? Atenderá o MAPA/SFB à birra do agronegócio que deseja ganhar mais terra do que já tem[21], desejosos da flexibilização das Unidades de Conservação, Territórios Quilombolas e Terras Indígenas? Perguntas aqui feitas para serem usadas como parâmetro de monitoramento por todos nós.


E referindo-se à participação popular, e se apostássemos no Serviço Florestal pela Sociedade Brasileira?  É esperança possível de virar realidade desde que abandonemos as irresponsabilidades cotidianas com o meio ambiente e que nos mobilizemos para pressionar e moldar as instituições responsáveis. A História está convidando mais uma vez para lutar contra atos de ignorância e violência contra a natureza. Como grita Chico Science na música “Todos estão surdos”,


Você que está aí sentado, levanta-se
Há um líder dentro de você
Faça-o falar...



O jogo não acabou com a eleição e com a posse dos novos mandatários. É apenas o começo de um processo de rejuvenescimento da massa. Temos a obrigação de sermos melhores que os nossos antepassados que deram suas vidas pelas nossas liberdades individuais e coletivas. As pessoas indignadas de hoje utilizam as redes sociais para mostrar sua insatisfação com a realidade, mas para obtermos resultados, temos que fazer com que estes protestos transbordem das redes sociais para as ruas.


Para os rios, para os igarapés.

Para as estradas de seringa.


Para as varridas.


Para os singelos atos de plantar.


Para ato de zelar e contemplar.


Para a discussão nas mesas de jantar das famílias. Que se sirva no prato o nosso amor comum por tantas florestas, tão acolhedoras ao mesmo tempo do imaginário, do real e o do sonho de vidas passadas, vidas presentes e vidas futuras.






[1] Engenheiro Florestal Consultor Socioambiental.
[2] Engenheira Florestal, MSc, especialista em manejo florestal de produtos não madeireiros.
[4] Diante da dificuldade de se adequar às normas da Lei de Gestão de Florestas Públicas, e não raras vezes para fugir da obrigatoriedade de pagar pelo uso da madeira em pé, algumas madeireiras passaram a tentar a sorte nas áreas comunitárias, pressionando lideranças a aceitarem suas propostas. O líder comunitário Antônio Izídio Pereira, de Vergel-MA, acabou sendo assassinado por suas denúncias à exploração madeireira ilegal e grilagem na sua região, episódio classificado pela Anistia Internacional como um caso clássico de “falha sistêmica do Estado brasileiro” - https://jornalggn.com.br/noticia/morte-de-lider-rural-no-maranhao-e-falha-do-estado-diz-anistia.  
[5] As concessões permitem que as explorações madeireiras usem o método de ciclo de corte, de 30 a 35 anos para se voltar para a primeira área de exploração. Interessante notar que o Estado do Pará aprovou muitos planos de manejo madeireiros sem ciclo de corte, naquilo que se chama Unidade de Produção Única – UPA Única, cujos efeitos são danosos à floresta e à geração que não verá por 3 décadas o estoque florestal madeireiro pela retirada em um só ano. Carlos Ramos analisou este trato prejudicial às comunidades florestais em https://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com/2013/05/qual-o-manejo-florestal-comunitario-que.html .
[8] O ISS é imposto municipal cobrado sobre a movimentação de veículos que transportam a madeira, no caso as balsas, no valor de 1% a 5% da Nota Fiscal movimentada. Num exercício simplório de balcão, podemos estimar que se pagos aos cofres municipais, de 2 a 10 milhões de reais poderiam chegar à prefeitura municipal para investimento na população portelense. Quanto o município arrecada?
[9] Fiz registro neste Blog da reinvindicação das comunidades de Caxiuanã - https://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com/2015/09/duvidas-das-comunidades-de-caxiuana_8.html
[11]Segundo o artigo 6º da Lei de Gestão de Florestas Públicas “...Antes da realização das concessões florestais, as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a destinação, pelos órgãos competentes, por meio de: I - criação de reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável, observados os requisitos previstos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000; II - concessão de uso, por meio de projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento
sustentável, agroextrativistas ou outros similares, nos termos do art. 189 da Constituição Federal e das diretrizes do Programa Nacional de Reforma Agrária; III - outras formas previstas em lei...”.
[12] Sem dúvida este é um marco legal histórico que deu visibilidade aos vários grupos culturalmente diferenciados que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua sobrevivência.  Por impedir a especulação fundiária e de projetos agrícolas de larga escala, não é à toa que a Bancada Ruralista se mobiliza para derrubar tal avanço no reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais  - https://www.brasildefato.com.br/2018/08/21/bancada-ruralista-arma-mais-uma-ofensiva-contra-povos-tradicionais/ .
[14] A Cooperativa Mista da FLONA Tapajós (COOMFLONA) teve sua origem com o Projeto de Apoio ao Manejo Florestal Sustentável na Amazônia (PROMANEJO) - https://www.facebook.com/pg/coomflona/about/?ref=page_internal
[15] O manejo florestal praticado pela comunidade Arimum é gerenciado pela Associação Comunitária de Desenvolvimento Sustentável do Rio Arimum - ACDSRA e Cooperativa Mista Agroextrativista Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – COOMNSPRA - http://arimum.blogspot.com/2015/10/associacao-e-cooperativa-que.html
[19] Moradores da Gleba Estadual Jacaré-puru em Portel tem relatado à Comissão Pastoral da Terra e Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Portel o caso da visita de instituições estrangeiras oferecendo relações comerciais relacionados à venda de créditos de carbono.
[20] A Castanheira é uma árvore protegida por lei. No parágrafo 29 do Decreto Federal Nº 5.975 de 30 de novembro de 2006, estabelece-se que “... não são passíveis de exploração para fins madeireiros a castanheira (Betholetia excelsa) e a seringueira (Hevea spp) em florestas naturais, primitivas ou regeneradas...”.
[21] No Atlas do Agronegócio 2018, constata-se que o Brasil é o 5º maior concentrador de terra entre os país do mundo. O Brasil tem 45% de sua área produtiva concentrada em propriedades superiores a mil hectares – apenas 0.91% do total de imóveis rurais - https://br.boell.org/pt-br/atlas-do-agronegocio.