domingo, 24 de setembro de 2023

Kadaí



Belém, pensando no povo munduruku, 19 de setembro de 2023.



Sendo o vento uma sinfonia que nos unia,

fiz uma contribuição junto ao Povo Munduruku

que me disse sorridente: "Kabia."


Tentei dizer o que minha civilização inventava.

Sim, inventava para dizer que sabia das coisas do mundo

pois na verdade pouco demonstrava saber,

já que escaldamos o planeta com nossa poluição,

já que esfumaçamos o oxigênio de nossos peitos,

já que envenenamos os rios dos inocentes,

já que nossa ganância há duzentos anos parece não ter fim.


E ao mesmo tempo em que eu explicava, eu me envergonhava:

Quem era eu pra contar sobre árvores, biomassa e vidas dos seres?

Quem era eu que cinicamente criticava o tal mercado de carbono

quando eu mesmo sou produto desta geração de poluidores?


E diante de mulheres que eram a própria

transfiguração da Mãe Terra,

e no meio de minha timidez e pequenez,

um dos caciques avisou-me:

"Essa árvore gostou do que você falou... ela até sorriu".


E fiquei tão lisonjeado, como nunca tinha ficado antes.


Kadaí (árvore) sorriu pra mim e eu até percebi.



Pantoja Ramos


quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Carta da Amazônia Gurupaense



Reunidos nos dias 27, 28 e 29 de julho de 2023, no sítio Itapereira, município de Gurupá/PA, no evento denominado I Festa da Floresta, agroextrativistas, agricultores familiares, quilombolas, povos da floresta e suas organizações sociais e religiosas que atuam e representam os territórios locais, Projetos de Assentamento, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Reserva Extrativista e Territórios Quilombolas, expuseram e construíram as diretrizes que devem ser consideradas na busca do bem viver na Amazônia Gurupaense.

Os povos da Floresta Gurupaense, conhecedores dos emergentes debates que cercam a Amazônia, definem três temáticas centrais que devem nortear a efetivação das políticas públicas em nossa região, são elas: a Ecologia Integral, a Emergência Climática e a Sociobioeconomia, assim então, as ações políticas devem ser propostas e implementadas considerando tais temáticas, afirmam sua existência, resistência, e coexistência com a Amazônia, e que devem ser protagonistas na elaboração e execução de todas as ações que visam a manutenção da vida.

Nacionalmente, as políticas públicas passam por um momento de reconstrução, após um período recente de desmonte, no qual a Amazônia e seus povos sofreram constantes ataques. Agora, os esforços para a preservação ambiental voltam-se novamente para a Amazônia, e logo então, as populações que nela vivem serão diretamente afetadas, positiva ou negativamente. Os povos da Floresta Gurupaense, que assim se afirmam, tem compreensão das ações necessárias para a preservação da Amazônia, pois assim o fazem há várias gerações.

Completando seus 400 anos de fundação em 2023, o município de Gurupá possui mais de 80% de seu território com floresta em pé, e apenas 0,74% de área desmatada, assim, seu povo demonstra claramente, por meio de suas ações, que sabe como cuidar da natureza, e por isso deve ser visto como um povo guardião da floresta, bem como, ser respeitado em seus modos de agir, produzir e se organizar, além de ser compensado por tamanho serviço prestado à humanidade. Este mesmo povo, conhecedor do ambiente em que vive, ressalta suas preocupações com a emergência climática que já causa efeitos em nosso município.

O planeta terra é um enorme ecossistema no qual todos estão interligados e as ações promovidas por um, geram impactos em todas as formas de vida, Gurupá já sente estes impactos e eles podem ser percebidos na variação das safras de produtos como o açaí, aumento ou queda incomum no nível das marés, aumento da temperatura e redução nos estoques dos organismos aquáticos coma peixes e camarão, os povos da Floresta Gurupaense, comprometem-se com ações e podem apontar caminhos para a saída deste estado emergencial. Na busca pelo bem viver na Amazônia Gurupaense, há necessidade de compreender os seres humanos como parte integrante do meio ambiente, nada para a Amazônia sem a presença da gente que faz parte deste ecossistema e a garantia de direitos como saúde, educação, saneamento básico, infraestrutura, assistência social, segurança, crédito rural, assistência técnica e extensão rural, segurança alimentar e nutricional, também são a garantia da floresta em pé.

As políticas públicas precisam chegar à Amazônia, de forma que a presença do estado seja melhor percebida, os povos da Floresta Gurupaenses, destacam aqui as seguintes áreas com as quais os governos Federal, Estadual e Municipal, precisam agir de forma urgente, incisiva e coordenada.

  • Regulamentação da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais;
  • Criação de um Programa de Fortalecimento da Produção Agroextrativista, que garanta Assistência Técnica, Extensão Rural e Crédito aos atendidos;
  • Efetivação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, no município de Gurupá, através do fortalecimento dos órgãos oficiais, com pessoal, equipamentos e transporte;
  • Protagonismo dos agroextrativistas, nas ações de planejamento e gestão das Unidades de Conservação, RDS Itatupâ-Baquiá e RESEX Gurupá-Melgaço;
  • Política educacional que considere e valorize as especificidades da Amazônia Gurupaense, seus povos e sua identidade, com currículo que reconheça a educação agroextrativista, quilombola, de pescadores e agricultores familiares e que esteja integrada aos processos produtivos para assim garantir a permanência dos povos em seus territórios;
  • Instalação de um Polo Universitário em Gurupá, que garanta educação de nível superior pública, gratuita e de qualidade e que atenda a crescente demanda municipal;
  • Titularização de terras no município, e;
  • Fortalecimento do Sistema Único de Saúde no município de Gurupá e sua extensão à todas as comunidades.

Caminhando em consonância com o Governo do Estado do Pará, Gurupá também já se prepara para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima, a COP30, que acontecerá em 2025 em Belém do Pará, em preparativo para a COP30, os povos da Floresta Gurupaense, se propõem a apresentar uma carta de relato das experiências de vivência e proteção dos territórios aos representantes políticos do Arquipélago de Marajó.


Ainda planejando, a participação gurupaense na COP30 se propõe construir um plano de participação e consolidação a curto, médio e longo prazo, que resulte no acesso às políticas públicas, também, como forma de fortalecimento das organizações sociais locais, construir um fórum de participação local para a COP30, a realização destas ações, tem como objetivo reforçar o protagonismo local neste evento global.

Neste cenário atual de precificação dos serviços ambientais e dos produtos da biodiversidade, os povos da Floresta Gurupaense afirmam a necessidade de observar-se a presença de gente nos territórios, e a inclusão da área social em todos os debates e decisões, gente com saberes e fazeres que estão em sua identidade e que se relacionam diretamente com seu meio de vida, produção e reprodução.

Debater a sociobioeconomia é urgente para garantir a vida digna dos povos e a integridade das florestas, e o fortalecimento do sistema extrativista de produção através, de formação, crédito, processamento de produtos e acesso ao mercado é uma das formas mais eficientes para o alcance da sustentabilidade em todos os seus múltiplos pilares. As ações governamentais devem visar além da preservação ambiental a garantia dos modos de vida nos territórios.

Através da I Festa da Floresta, que se propõe ser um evento anual, o município de Gurupá, abre o debate urgente à respeito da Amazônia e suas diversas formas de vida, e ansiosos desejamos que tal debate se estenda a outros territórios, a partir de agora, nossas ações de reivindicação devem basear-se nas diretrizes coletivamente aqui estabelecidas.


Sítio Itapereira, Gurupá/PA, 29 de julho de 2023.






sábado, 17 de junho de 2023

Açaí Colonial para Mentes Decoloniais



Outro dia, estava eu comprando açaí em Breves. Diz o vendedor:

- Tá R$14,00 o litro.

- Tá bom. É, há 10 anos eu comprei a R$3,00 aqui mesmo em Breves.

E o mototaxista que me esperava entrou na conversa:

- Eu cheguei a ver quando era 50 centavos o litro! Era pequeno ainda.

- Será que um dia abaixa pra menos de R$10,00? - perguntei pela rama.

- Eu mesmo até queria baixar, mas a conta da luz não deixa - queixou-se o batedor de açaí mostrando o boleto pra gente.

- E olha que produzimos muita energia aqui no Pará - arremata o rapaz da moto.

Bingo. 



Pantoja Ramos.



quinta-feira, 25 de maio de 2023

"Indigestão" de florestas públicas

 




Carlos Augusto Pantoja Ramos[1]

 

 

Resumo da ópera sobre as mudanças na Lei de Gestão de Florestas Públicas de 2006 a partir da Lei 14.590, de 24 de maio de 2023 (Dia de Boiada):

 

🐂🐂 O Plano Anual de Outorga Florestal passa de anual para plurianual.

 

🐂🐂🐂🐂 O poder concedente (União e Estados) poderá permitir a inclusão de produtos florestais não madeireiros como também objeto de concessão florestal para empresas;

 

🐂🐂🐂🐂🐂🐂 🐂🐂União e Estados poderão permitir a inclusão de créditos de carbono como objeto de concessão florestal em favor de empresas (Obs 1: o mercado de carbono não está ainda regulamentado; Obs 2: a Lei 14.119 de 13 de janeiro de 2021 que trata da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais não é citada na lei aprovada recentemente);

 

🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂🐂 🐂🐂 Foi retirada a vedação (impedimento) de acesso ao patrimônio genético por empresas concessionárias.

 

 

O caminho que se fez no dia 24 de maio de 2023 foi: a) a descaracterização de uma lei bastante debatida em sua criação no ano de 2006; b) a implantação de concessões florestais públicas com efeito de privatização e c) a abertura das portas para o rentismo (o vampirismo de ganhar dinheiro sem produção e por especulação).

 

Falamos de uma política que não garante isonomia e equidade no uso de florestas públicas.

 

🐂



[1] Carlos Augusto Pantoja Ramos, Engenheiro Florestal e ex-diretor de gestão de florestas públicas do Instituto de Desenvolvimento Florestal e Biodiversidade - IDEFLORBIO nos anos de 2009 - 2010.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

O Expresso 30



Belém, 3 de maio de 2023.



Partiu o amanhã

No som do passarinho

Mas cortaram o canto lindo

Metal diapasão


Expressão

Expressivo

A Expressão

A Expressão


- Licença pra eu passar

Por cima das tuas grotas

Licenças prévias marmotas

Que eu possa atravessar


A Expressão

O Expressivo

O Expresso

O 30 Expresso

O 30 Expresso

O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso 30


- E corro encharcado de grãos

Qual Bíblia das vacas gordas

De tantas esfomeadas pontas

Anti-José dos sonhos vilão


O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso do grão

O Expresso do grão

O Expresso do grão

O Expresso do grão


- Zunindo passei na tua vida

Sem tempo para responder

Palestras em telas esconder

Os trilhos de sua ferida


O Expresso do grão

O Expresso do grão

O Expresso do grão

O Expresso do grão

COPiii!

O Expresso da COP

O Expresso da COP

O Expresso da COP

O Expresso da COP


- Possível ali a chegada

A nova velha estação

Que insiste num passo caminhão

Que odeia paisagens mulheradas


O Expresso da COP

O Expresso da COP

O Expresso da COP

O Expresso da COP

O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso 30


- Parece que tem gente no trilho

Não temem a força do trem?

De esperança em esperança alguém

Convence até do acionista seu filho


O Expresso 30

O Expresso 30

O Expresso 30

O 30 Expresso

O 30 Expresso

O Expresso

Expressivo

Expressivo


Quedou o entardecer

No som de uma cigarra

Parou o expresso a garra

Quem sabe, quem irá saber?


A COP expressa

A Expressão

Expressão


A Impressão

E a pressão

Pra um mundo são


São.




Pantoja Ramos

sábado, 8 de abril de 2023

Caboclantes

 Desembarco:

- Onde está a sua mala, senhor? - pergunta o despachante do navio.
- Mala? Ah, é aquela valise lá.
- Essa aqui?
- Isso! Essa boroca mesmo.
- Já vi que o senhor é do trecho (risos).
Sorri orgulhoso carregando minha sacola, enquanto dezenas de malas de rodinhas trepidavam pelo porto...



Pantoja Ramos.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Crônicas do corte: da noite pro dia



- Da noite pro dia, minha filha, eu perdi tudo nessa chuvarada que nunca tinha visto na vida! Logo eu que já não tenho muita coisa[1].

 

Enquanto isso, em outro canto do país:

- Rapaz, se varar o decreto 1.151 do governo passado[2], vou ter permissão além da madeira que extraio na concessão, de vender andiroba, castanha, copaíba, fazer pesquisa e ainda por cima vender o tal carbono. Três formas de ganhar dinheiro! Do dia pra noite!

 

Overnight[3].







[1] Poderia ser a frase triste de uma moradora de Manaus que perdeu sua casa em março de 2023  - https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-03/governo-estuda-decretar-emergencia-climatica-permanente-em-mil-cidades

[2] O Senado vai analisar a Medida Provisória que muda regras da Lei 11.284, de 2006, que trata da gestão de florestas públicas para concessão florestal para manejo e exploração de madeira, permitindo o uso e comercialização de outros produtos florestais não madeireiros e a venda dos chamados de créditos de carbono. Esta MP, 1.151/2022, foi aprovada em 30 de março na Câmara dos Deputados - https://www.poder360.com.br/brasil/senado-analisara-mp-de-comercializacao-de-creditos-de-carbono/