Foto: Yara Monteiro, 100% Amazonia
Belém, 02 de maio de 2018.
Caras
Yara, Paula, Alynne, Raylane, Carol, Suelen
Caros
Abimael, Diego, Lucivando.
Vocês sentem simpatia
espontânea por tigres, elefantes e baleias? Eu nunca os vi pessoalmente, mas no
imaginário despertado pelos filmes vespertinos, adquiri admiração por tão
nobres e magníficos animais. O real risco de extinção que passam deixa-me
preocupado e apesar de nem fazerem parte do meu dia a dia, seria uma tragédia
para toda a vida seus desaparecimentos, seres que tornam mais plural e
grandiosa a Terra.
Por que mencionar tais espécies? Porque nas analogias muitas vezes sem sentido
que me vem à mente, localizei na Castanheira (Bertholletia excelsa Bonpl.) sentimento semelhante sobre o quão
bela é a ecosfera, com a diferença que desta vez tenho esta árvore na
"parede da memória", como diria Belchior e não apenas em programas
televisivos e de internet. Vejamos: a Castanheira é esplêndida, sofre com a ação
humana e é símbolo de coletividade, algo que recentemente aprendi ao visitar
comunidades tradicionais no município de Almeirim.
Economicamente informo que neste município, o
IBGE registrou em 2016 um volume de produção de 180 toneladas de castanha, o que
movimentou 341 mil reais no período[1]. Estranho, em conversa com uma liderança
comunitária, esta informou que em 2017, 4 (quatro) famílias de sua localidade
que anotaram sua produção, chegaram a 3.975 latas de castanha, cada lata a
pesar 11 kg (castanha "molhada"). Ou seja, fazendo simplória conta de
balcão (aqui apenas uma provocação para jovens cientistas), a produção destes
castanheiros seria de 43 toneladas, repito, de apenas 4 famílias envolvidas. A
soma das receitas brutas estimadas destas famílias seria de 99 mil reais (preço
médio aqui utilizado de 150 reais a barrica[2], "bem por baixo", como diria o
caboclo). Como provavelmente o IBGE trabalha em seus números com castanhas que
já passaram por processo de secagem para a comercialização, é preciso adentrar
na real produção e receitas obtidas nos paiós, vilas, beiras de rios e caminhões. Só uma
verificação neste nível pode dizer o quanto a realidade está distante ou não do oficialmente divulgado sobre a produção de castanha almeiriense.
Vale lembrar que esta atividade florestal é
fonte de renda e ocupação de milhares de pessoas na região Norte, desde a
coleta na floresta[3], transporte, beneficiamento, distribuição
até as mesas de brasileiros, europeus e estado-unidenses. Se os gringos possuem
o Vale do Silício, na Amazônia pipocam Vales do Selênio, mineral que é antioxidante,
combate ao câncer, ao envelhecimento precoce, fortalece os músculos e o sistema
imunológico segundo a nutricionista Jucilene Magalhães[4]. Castanhais que geram renda, divisas, valorizam
a tradicionalidade das comunidades e conservam a biodiversidade.
Jamanxim. Foto: ASMIPPS.
Com as virtudes econômicas e socioambientais
anteriormente referidas, por que tantas castanheiras tombaram e ainda tombam na
hileia amazônica? Por que o boi permanece pisoteando suas áreas? É considerada
a Castanheira uma espécie vulnerável
segundo a Lista Nacional das Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção[5], chamada pelos ambientalistas de Lista
Vermelha. A Castanheira também recebe proteção da Portaria do IBAMA número 48,
de 10 de julho de 1995, artigo 10, que determina a proibição de seu corte em
planos de manejo florestais madeireiros, em “florestas nativas, primitivas ou
regeneradas”[6].
Não faltam marcos legais para evitar o
colapso da espécie. Como em outras áreas da sociedade, a aplicação da lei é o
maior problema. Aliás é de longa data essa negligência. Paulo Kitamura da EMBRAPA
em estudos no ano de 1984 entrevistou produtores da região de Marabá sobre os
motivos da destruição dos castanhais nativos[7]. Na frequência relativa das respostas dadas
naquele momento, 77% dos entrevistados disseram que o motivo da depredação era
a falta de aplicação da lei de proteção das castanheiras na prática; 77%
disseram que é necessário desmatar para evitar a chegada de invasores
(sério??); 72% responderam que o Governo não consegue fiscalizar a derrubada;
55% disseram que era uma necessidade para “cultivar a terra” (SIC) a partir da
pecuária[8]. Acho motivante repetir o experimento para nossa atualidade, nesta investigação sobre a derrubada de castanhais. Poderemos
ter melhor noção do quanto avançamos no bom uso dos recursos florestais.
Tempos de jovem engenheiro eu achava que
somente a grande pecuária de corte era a adversária da castanheira, pudera,
tantos conflitos agrários, tantas mortes nessa disputa entre o capim e as
árvores, que os digam as lideranças do sul do Pará. Só que não atentei para a
mudança dos padrões de consumo da população do campo na última década. Por que
não ter tantos bens materiais afinal de contas, depois de séculos reprimidos
dos pobres? Depois de tanto esquecimento estatal, panelas sem feijão, casas sem
paredes? De andar léguas a pé ou remar
por horas? Sim, um milagre econômico é quando aparecem sobras para os cachorros
comerem, sinal que seus donos não são esquálidos.
O impeditivo para uma sociedade que anseia o estado
de bem-viver ocorre quando replica-se o mesmo tratamento à natureza de
irracionalidade de uso da terra que o antigo “patrão” fazia. Queimar pequenos
pedaços de um castanhal para pôr gado é continuar a tragédia.
E fiquei preocupado ao ver queimadas
naquele castanhal de uso coletivo. E percebi a atitude voluntária de um
trabalhador rural em jogar sementes de capim Brachiaria para impedir que a luz chegasse para as sementes que
fariam a regeneração natural. Entendi quando o jovem pai extrativista me
explicou que a Castanheira não obstante seu destacável tamanho na mata, não tem
raiz pivotante profunda e sim abraça-se com as demais raízes das outras
espécies de árvores para manter-se seguramente em pé.
Castanheira tombada. Foto: Yara Monteiro, 100% Amazonia
A Castanheira é antes de tudo, uma árvore
comunitarista.
Sem as companheiras, exposta aos ventos,
tomba. Assim a fragilizam muitos fazendeiros, assim a fragilizam até campesinos.
Mesmo a coleta de castanha sem planejar o futuro em mudas e arvoretas causam
impacto[9]. Acho que o jogo não é simplesmente de bem e
mal e sim de conhecimento e ignorância. Sigo estudando.
Talvez se conhecêssemos mais a relação
próxima da economia com a ecologia, entenderíamos que o fogo também mata e
afugenta a abelha mangangá, polinizadora dos castanhais afetando quantidade de
ouriços ofertados; que mata e expulsa a cutia, dispersora e dispersa de memória
por não lembrar onde enterrou a castanha. Se estimo que 1 hectare de castanhal
me dá R$535,00 reais[10] e o gado R$288 reais por hectare[11] no sistema extensivo, é conhecimento, é conhecimento que nos falta. Pois este ganho
financeiro precisa refletir em boas condições de trabalho, na infraestrutura
comunitária existente e na própria remuneração das famílias[12]. Pois desmatar castanhais para dizer que ali
existem benfeitorias é algo que as novas gerações não deveriam conceber. Para
mim, tal ato é uma malfeitoria!
Ouriços de castanha. Foto: Yara Monteiro, 100% Amazonia.
Esta carta apenas é uma mensagem instigadora para
o questionamento dos mais novos sobre como manejamos a floresta, como cuidamos
da flora e fauna que nos cercam. Como o desejo de obter dinheiro e do que dele
se pode comprar, amor de Eros[13], interfere negativamente na nossa prática de
conservar espécies ameaçadas como a Castanha-do-Brasil. Eis aqui uma epístola
de bem querer. E como nas cartas antigas, finalizo dizendo que mando lembranças
para todos daí, desejando que tenham saúde, paz e equilíbrio.
Todos abraçados pela raiz como
num sereno castanhal.
Notas:
[1]
Verificável na página da internet do IBGE Produção da Extração Vegetal e da
Silvicultura (PEVS) - https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pevs/quadros/brasil/2016
[2] A
barrica de castanha equivale a 6 latas. O valor estimado aqui pela barrica é
muito conservador, pois em 2017, chegou-se a vender uma barrica a R$700,00!
[3]
Interessante notar a participação dos castanheiros, dos comboieiros, dos que
trabalham na lavagem e ensacamento, dos atravessadores, dos donos de caminhão.
[4]
Jovem nutricionista que orgulhosamente tenho como cunhada e que evolui nesta
importante área da saúde.
[5] A
lista está para consulta na página http://www.mma.gov.br/biodiversidade/especies-ameacadas-de-extincao/flora-ameacada
.
[7] Aqui
sugiro a leitura deste importante registro histórico - https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/55270/1/CPATU-DOC-30.pdf
.
[8] Os
estudos da EMBRAPA em 1984 descrevem avaliação dos produtores locais sobre os
castanhais como uma atividade econômica que não era rentável o suficiente para
manter a propriedade, relatando-se naquela época (que fique bem claro) que a
pecuária geraria renda 10 vezes superior à atividade extrativa da castanha. A
impressão destes produtores sobre a rentabilidade da pecuária bovina na
Amazônia em relação à floresta hoje é considerada ultrapassada. Segundo João
Meirelles Filho, “...é crime de lambança econômica ao ignorar o maravilhoso
potencial econômico dos ambientes naturais e preferir, em seu lugar, produzir
ridículos 85 kg de carne bovina/hectare/ano e alcançar a desprezível renda de
R$ 300,00/ha/ano” – ver em http://www.somevesc.org.br/opiniao/2009/05/pecuaria-na-amazonia-por-joao-meirelles-filho/
.
[9] O
pesquisador Carlos Peres estima que são necessárias de 50 mil a 100 mil
sementes para ter uma árvore adulta (ver em https://www.ecodebate.com.br/2008/10/03/para-castanhais-sao-ameacados-pela-retirada-excessiva-de-sementes-pelo-corte-da-arvore-pelo-proprio-do-desmatamento/)
. Além da coleta excessiva das sementes pelo ser humano, as plântulas podem ser
comidas por predadores. É fundamental uma política de recuperação dos estoques
de castanheiras em áreas intensamente utilizadas.
[10]
Sei que arriscado apontar tais valores, mas vejo o caso de um castanheiro de
Almeirim que mostrou seu levantamento de 1.500 latas de castanha (250 barricas
vendidas a R$150.00 cada) em 2017 numa área de 70 hectares. No mínimo,
precisamos incentivar pesquisas sobre o tema.
[11] Em
2010, o Professor Antônio Cordeiro, Marco Antônio dos Santos e Cyntia Meireles
apontavam a atividade de pecuária geradora de valores menores que o manejo
florestal madeireiro (ver em http://ideflorbio.pa.gov.br/wp-content/uploads/2015/08/Pre%C3%A7o-da-Madeira-estudo-de-2010-2011.pdf)
. De acordo com os pesquisadores, a pecuária geraria o valor econômico em 2010
de R$180/hectare (correspondente ao valor nos dias de hoje de R$288,00 na Correção
pelo Índice Geral de Preços do Mercado/ IGP-M da Fundação Getúlio Vargas) de
contra R$651,00/hectares da atividade florestal madeireira. Estudos como esses
são valiosos para o convencimento sobre o valor do manejo florestal.
[12] Ana
Euler, Andréa Bernadelli, Walter Souza e Antônio Cláudio de Carvalho,
pesquisadores da EMBRAPA analisaram a aplicabilidade no sul do Estado do Amapá da
Política Geral de Preços Mínimos – PGPM. Concluíram os estudiosos que para
acessarem o valor da subvenção sobre a castanha garantida pela PGPM, os
produtores precisam apresentar nota de venda. Ocorre que a maioria dos
produtores de castanha vende sua safra para atravessadores que não fornecem tal
comprovação. Verificar esta análise em https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1035067/viabilidade-economica-da-producao-de-castanha-do-brasil-no-territorio-sul-do-amapa-brasil.
[13]
Sugiro uma leitura maior sobre o Amor de Eros,
Amor Philia e Amor Ágape. Contribui na reflexão postada em http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2017/05/agape-para-mae-terra.html
.
Olá, qual é a fonte da informação da raíz?: "a Castanheira não obstante seu destacável tamanho na mata, não tem raiz pivotante profunda e sim abraça-se com as demais raízes das outras espécies de árvores para manter-se seguramente em pé"
ResponderExcluirMika, essa frase veio inspirada da conversa que tive com um morador da comunidade Repartimento dos Pilões, missão em que estava que me motivou escrever este texto. Ele mostrou-me uma árvore tombada e da frequencia que havia (e relação) entre aquelas que tinham queimadas ao seu redor que mais facilmente tombavam em relação àquelas que estavam em uma mata sadia. Convém estudos científicos para validarem ou não este nosso diálogo. Lanço a provocação. Que bom que matutaste sobre isso. Seria um estudo futuro?
Excluir