Cara Dona Hannah (é assim que se escreve?),
Hoje li em uma dessas revistas na
internet que um dominador de tudo, um ditador, é mais cruel que um dono de escravo ou um
tirano e que tal dominador destrói mais que a miséria ou um grileiro desmatador[1].
Que um controle total das pessoas coloca no matapi os homens. Diminui eles a
tal ponto que nem parecem mais pensar ou querer pensar.
Lendo isso, percebi que era um
pensamento seu e resolvi escrever. Isso, sobre a Banalidade do Mal. Quando o
Mal fica assim, assim, espalhado. Quando o sentimento sobre o Mal é tipo nem-fede-nem-cheira. Que quando
isso se prega nas pessoas, elas nem ligam mais se alguém está morrendo, se está sofrendo e até
participam desta matança, sem mais matutar sobre essas coisas que fazem.
Umas visagens vivas, ruins, ruins,
da maldade.
Aí eu pensei no Seu Marciano.
Pobre Marciano.
Marciano era um faz-tudo. Era bom
na carpintaria, bom como pedreiro, bom como encanador. E mais do que isso, Dona
Hannah, Marciano, que era um vizinho meu, era um bom sujeito. Uma pessoa de
coração grande, calmo, calmo. Não mexia com ninguém. Sempre
falava como que estivesse cantando um trecho de Martinho da Vila. É devagar, é
devagar, é devagar, devagarinho...
Voltando ao que li da senhora, Dona Hannah, percebi
que as pessoas podem se tornar maléficas por um conjunto de situações que as
fazem parecer que anestesias foram aplicadas nelas, na principal artéria da alma. É esquisito, pois
ao mesmo tempo elas mesmas a modo que se negam a ser boas, até de certa forma sabendo o que está sucedendo. Fico confusa.
Por que uns meninos e umas
meninas que são informados às vezes agem com maldade? Olha que chegam neles as
notícias, vá la, mesmo que não como deveria ser, pois zap-zap não é escola e
sim uma ferramenta que nasceu pra gente fofocar. Mas é tempo em que quase ninguém
pode dizer que é desinformado e ainda assim, brincam com a doença que tá por aí
a tirar o ar das pessoas até matar num repente.
Aí que penso que o Marciano
poderia estar vivo. Ele tomava todos os cuidados. Era álcool-gel em tudo, na porta, nos móveis, andava de máscara dentro de casa até, sabia? Ficava no quarto dele se resguardando. Mas os netos,
ahh, os netos passavam com aquele amontoado de meninos e meninas pro quintal pra fazer farra. Isso mesmo, farra! A casa era um entra e sai danado e o coitado do
Marciano a reclamar, mas não tinha força pra enxotar toda aquela algazarra a beber e babar pela casa toda.
Mas esses meninos e essas meninas
sabiam... Tamanho mais de 20 anos e por cima faziam era xingar o velho que reclamava do
barulho e do furdunço. Não era desinformação. Não. Não era. Tá tudo aí nos
celulares falando. Gritando até.
Não. Era... como dizem... um
posicionamento! Sim, cadê a solidariedade? Saber que o Marciano era um idoso?
Cadê? Será que tanta violência passada na televisão, será que tanta opressão das
autoridades, será que tanta falta de pensar ou ter escolha de um futuro fez
destes netos anestesiados a tal ponto que nem se importavam que seu avô poderia
morrer?
Olha Hannah, eu vejo aqueles
malucos lá em São Paulo fazendo carreata em favor da morte e do doido maior. Ali
não tem espaço pra Jesus no coração, não. É maldade. Só que eu também tô falando
que esse sentimento do Mal Banal pode ter pego entre o pessoal mais pobre, por
que não? É mau pastor falando todo dia de um jeito de querer que o outro se
lasque. É gente pobre mas metida a rica que se pudesse pisava na cabeça do
irmão ferrado que nem ele. É feirante dando cotoco pra jornalista como se dissesse
“vou furar a quarentena, sim e daí??”.
“E Daí?”, disse também o doido maior.
É mostra que a maldade se
espalhou, Dona Hannah.
Agora é hora dos indecisos se
juntarem aos bons pra lutar, não é sempre desse jeito que tudo acaba? Porque de
outra forma, vai ser um massacre.
O mal banalizado em nós que o
Corona só arredou a cortina.
Agora os netos estão lá chorando
a morte do Marciano, sem velório, tudo rápido, tudo acabado... Que o Universo receba
este compadre. Que sua energia, agora estelar, se alimente do Amor e da Memória
daqueles que lhe tinham um bem querer.
É, Dona Hannah, a briga no final é
esta. Valeu a pena a nossa vida? A de Marciano valeu. Os netos? Ihh, vão correr
a vida toda atrás do prejuízo por esse remorso.
Pode até ser que algum deles nem tenha.
Quando dele se apoderou o Mal Banalizado e
não enfrentado.
O Cão existe, mas o Amor é maior.
Agradecida pela atenção,
Zarazilda, Bombozeira do
Paar-Ver-O-Peso.
Estudante de geografia.
[1] Ler
a matéria de Odílio Aguiar, Violência e Banalidade do Mal - https://revistacult.uol.com.br/home/violencia-e-banalidade-do-mal/
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