sábado, 16 de maio de 2020

Assim Falou Zarazilda para Hannah: A Banalidade do Mal Paraense


Cara Dona Hannah (é assim que se escreve?),

Hoje li em uma dessas revistas na internet que um dominador de tudo, um ditador, é mais cruel que um dono de escravo ou um tirano e que tal dominador destrói mais que a miséria ou um grileiro desmatador[1]. Que um controle total das pessoas coloca no matapi os homens. Diminui eles a tal ponto que nem parecem mais pensar ou querer pensar.

Lendo isso, percebi que era um pensamento seu e resolvi escrever. Isso, sobre a Banalidade do Mal. Quando o Mal fica assim, assim, espalhado. Quando o sentimento sobre o Mal é tipo nem-fede-nem-cheira. Que quando isso se prega nas pessoas, elas nem ligam mais se alguém está morrendo, se está sofrendo e até participam desta matança, sem mais matutar sobre essas coisas que fazem.

Umas visagens vivas, ruins, ruins, da maldade.

Aí eu pensei no Seu Marciano. Pobre Marciano.

Marciano era um faz-tudo. Era bom na carpintaria, bom como pedreiro, bom como encanador. E mais do que isso, Dona Hannah, Marciano, que era um vizinho meu, era um bom sujeito. Uma pessoa de coração grande, calmo, calmo. Não mexia com ninguém. Sempre falava como que estivesse cantando um trecho de Martinho da Vila. É devagar, é devagar, é devagar, devagarinho...

Voltando ao que li da senhora, Dona Hannah, percebi que as pessoas podem se tornar maléficas por um conjunto de situações que as fazem parecer que anestesias foram aplicadas nelas, na principal artéria da alma. É esquisito, pois ao mesmo tempo elas mesmas a modo que se negam a ser boas, até de certa forma sabendo o que está sucedendo. Fico confusa.

Por que uns meninos e umas meninas que são informados às vezes agem com maldade? Olha que chegam neles as notícias, vá la, mesmo que não como deveria ser, pois zap-zap não é escola e sim uma ferramenta que nasceu pra gente fofocar. Mas é tempo em que quase ninguém pode dizer que é desinformado e ainda assim, brincam com a doença que tá por aí a tirar o ar das pessoas até matar num repente.

Aí que penso que o Marciano poderia estar vivo. Ele tomava todos os cuidados. Era álcool-gel em tudo, na porta, nos móveis, andava de máscara dentro de casa até, sabia? Ficava no quarto dele se resguardando. Mas os netos, ahh, os netos passavam com aquele amontoado de meninos e meninas pro quintal pra fazer farra. Isso mesmo, farra! A casa era um entra e sai danado e o coitado do Marciano a reclamar, mas não tinha força pra enxotar toda aquela algazarra a beber e babar pela casa toda.

Mas esses meninos e essas meninas sabiam... Tamanho mais de 20 anos e por cima faziam era xingar o velho que reclamava do barulho e do furdunço. Não era desinformação. Não. Não era. Tá tudo aí nos celulares falando. Gritando até.

Não. Era... como dizem... um posicionamento! Sim, cadê a solidariedade? Saber que o Marciano era um idoso? Cadê? Será que tanta violência passada na televisão, será que tanta opressão das autoridades, será que tanta falta de pensar ou ter escolha de um futuro fez destes netos anestesiados a tal ponto que nem se importavam que seu avô poderia morrer?

Olha Hannah, eu vejo aqueles malucos lá em São Paulo fazendo carreata em favor da morte e do doido maior. Ali não tem espaço pra Jesus no coração, não. É maldade. Só que eu também tô falando que esse sentimento do Mal Banal pode ter pego entre o pessoal mais pobre, por que não? É mau pastor falando todo dia de um jeito de querer que o outro se lasque. É gente pobre mas metida a rica que se pudesse pisava na cabeça do irmão ferrado que nem ele. É feirante dando cotoco pra jornalista como se dissesse “vou furar a quarentena, sim e daí??”.

“E Daí?”, disse também o doido maior.

É mostra que a maldade se espalhou, Dona Hannah.

Agora é hora dos indecisos se juntarem aos bons pra lutar, não é sempre desse jeito que tudo acaba? Porque de outra forma, vai ser um massacre.

O mal banalizado em nós que o Corona só arredou a cortina.

Agora os netos estão lá chorando a morte do Marciano, sem velório, tudo rápido, tudo acabado... Que o Universo receba este compadre. Que sua energia, agora estelar, se alimente do Amor e da Memória daqueles que lhe tinham um bem querer.

É, Dona Hannah, a briga no final é esta. Valeu a pena a nossa vida? A de Marciano valeu. Os netos? Ihh, vão correr a vida toda atrás do prejuízo por esse remorso. 

Pode até ser que algum deles nem tenha. 

Quando dele se apoderou o Mal Banalizado e não enfrentado.

O Cão existe, mas o Amor é maior.


Agradecida pela atenção,

Zarazilda, Bombozeira do Paar-Ver-O-Peso.

Estudante de geografia.








[1] Ler a matéria de Odílio Aguiar, Violência e Banalidade do Mal -  https://revistacult.uol.com.br/home/violencia-e-banalidade-do-mal/








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