Belém,
pensando em Gurupá, 22022022.
Data
ambigrama[1]
(22 de fevereiro de 2022).
Caríssimas pessoas,
Eu continuo a preocupar-me
com a mercantilização da natureza, em permanência ao que escrevi em 2018[2].
E do pouco que aprendi no primeiro caso que tomei conhecimento, desenhei na
mente que seria egoísmo de minha parte não compartilhar minhas questões sobre o
crescimento do mercado de carbono. Ao decidir produzir vídeos sobre o tema, logo
de cara cheguei à conclusão de que não se poderia resumir as novas orientações
de uso da floresta pela soma das palavras mercado+ carbono: teríamos que ser
mais arrojados, a princípio tratar da variedade que seria o Pagamento Por
Serviços Ambientais[3] e desta
consequência, caminhar para a provocante Utopia de Justiça Climática.
Com a antena fincada na
lama do arquipélago da minha cabeça, monitorei que a exclusão digital em que muitos
marajoaras vivem[4] favoreceram
durante os primeiros tempos da pandemia de Covid-19 que o sistema financeiro trabalhasse
em Home-Office para implantar novos negócios sem a devida participação
dos amazônidas, no indicar de novas especiarias organizadas pelo neocolonialismo[5].
Nem gosto de dizer “em pleno século XXI”, pois se fosse mesmo pleno, não
teríamos tantos desumanos a testar a sobrevivência dos seres vivos deste
planeta, seja pela barbárie, seja pela ganância, ou as duas marcas de involução
juntas.
A reboque das dificuldades
econômicas sofridas pela população nos últimos anos, ao ataque sistemático,
calculado e mobilizado à biodiversidade amazônica e aos seus povos e ao
enfraquecimento das instituições que zelam pelo bem público florestal, verificou-se
a intensificação da chegada de empresas intermediadoras do mercado de carbono em comunidades amazônicas.
Tais empresas vêm propondo contratos de comercialização de carbono em
municípios do Marajó, principalmente nas florestas de terra-firme da
mesorregião. Resolvi estudar e compartilhar a necessidade de chamar a atenção
destas empresas para o respeito aos povos da floresta[6],
onde reforcei meus argumentos no momento em que entendi a Lei 14.119, decretada
em 13 de janeiro de 2021, que estabelece a Política Nacional de Pagamento Por
Serviços Ambientais[7].
Pronto. Passou a existir uma
lei. Algo para avisar sobre consequências jurídicas e judiciais. E não sendo o
marco legal dos sonhos para os territórios comunitários, ao menos apontou a interligação
entre a Lei 14.119 e outras políticas em seu artigo 4º:
“... Artigo 4º - A PNPSA deverá integrar-se
às demais
políticas setoriais e ambientais, em
especial à Política Nacional:
- do Meio Ambiente;
- da Biodiversidade;
- de Recursos Hídricos;
- Sobre Mudança do Clima;
- de Educação Ambiental;
- de acesso ao patrimônio genético,
proteção e o
acesso ao conhecimento tradicional
associado;
- sobre a repartição de benefícios para
conservação e uso sustentável da biodiversidade;
- ao SNUC;
- aos serviços de assistência técnica e
extensão rural...”.
No que diz respeito à esta
última indagação, não há como saber, pois estamos ainda no interregno,
como assim analisava o sociólogo Zigmunt Bauman[9].
Segundo Bauman “... As instituições de ação coletiva, nosso sistema político,
nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com
as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não
funcionam direito mais...”. E nessa confusão de coisas, emergem o lado mais
sombrio que temos pelo medo de sofrermos com a falta de direcionamentos e suas
inseguranças advindas. Em outro lado, como num estágio de negociação em meio ao
luto da Humanidade por reconhecer que é mortal, o lado humano tomado pelo capital
busca nos convencer que o mesmo sistema dos últimos séculos pode ser a solução
da crise instalada, inclusive trazer soluções ambientais, quando o mesmo
sistema é responsável direto pela degradação de florestas, rios e clima. Uma
engrenagem que não mostra sinais de parar suas práticas destrutivas, a exemplo no
Brasil, em que 56% do Orçamento Público da União em 2022 será destinado aos
credores, deixando a migalha de 3 centavos de cada 100 reais do OGU para a
gestão ambiental[10]. Cinicamente
enquanto isso, mergulham bancos e empresas do agronegócio em campanhas de
financiamento de proteção das florestas, novas moedas para acastelarem-se.
A partir do histórico
brasileiro de abusos com os povos originários e desvirtuação de mecanismos de
proteção dos recursos naturais[11],
é imprescindível que se promovam debates para aprimorar a Política de PSA. Neste
sentido, até exercito o chamamento do Estado Brasileiro para esta construção
por uma comunidade amazônica:
“Prezados senhores e senhoras do (nome da
instituição governamental como ICMBIO, IDEFLOR, INCRA, SEMAS, ITERPA, MPE, MPF,
Defensoria pública, etc.).
Recebemos no último dia xxxx, a visita de
empresas em nossa localidade para iniciar diálogo sobre o mercado de carbono.
Como somos sabedores que existe a Lei da
Política Nacional de Pagamento Por Serviços Ambientais, Lei 14.119 de 13 de
janeiro de 2021, solicitamos a presença de vossa instituição para acompanhar nossa
comunidade nas reuniões que tratarão do tema, em acordo com os artigos 4º;
artigo 5º, inciso VIII; artigo 8º; artigo 11º da Lei 14.119; Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho e Salvaguardas de Cancun.
Assim sendo, nos despedimos, agradecendo
desde já a atenção ofertada.
Atenciosamente,
...”.
O esperançar, verbo que me
surge apesar das guerras diárias que travamos, é saber que a democracia vai se
tocando que não deve ser sujeita acomodada, mas um ente vivo, que se movimenta,
que se faz representar, que acredita no rosto jovem que se identifica de
repente como floresta e, portanto, não pode ter preço. Justificar nossa
passagem nesses bons embates é prova de vida, vida que é cíclica.
Afinal, todos nós viemos do
carbono e ao carbono, voltaremos.
Carlos Augusto Pantoja Ramos.
[1]
Ambigrama é a representação gráfica de uma ou mais palavras que se lê da mesma
maneira de diferentes pontos de vista ou orientações. Ver em https://dicionario.priberam.org/ambigrama#:~:text=Representa%C3%A7%C3%A3o%20gr%C3%A1fica%20de%20uma%20ou,ex.%3A%20ambigrama%20rotacional).
[2]
Carta elaborada em 2018 com avaliação do processo de comercialização de
créditos de carbono na Reserva Extrativista Mapuá, Breves, Marajó, Pará. Ver em
https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7050930
.
[3]
Exercitei os conceitos sobre Pagamentos Por Serviços Ambientais em https://www.youtube.com/watch?v=PkaCWlNj6fo&t=41s
.
[4]
Ver estudo que Ana Euler e eu elaboramos em https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/handle/doc/1132328
.
[5]
Nos episódios verificáveis em https://www.youtube.com/watch?v=FLY0wcH-9ek
e https://www.youtube.com/watch?v=o3VOPAcrSW8
, faço a reflexão sobre as tendências de mercado.
[6]
Produzi um debate sobre este assunto no episódio https://www.youtube.com/watch?v=01-h-0kunDQ
.
[7]
Comento sobre a Política Nacional de PSA em https://www.youtube.com/watch?v=GuZrzMiPgUM
.
[8]
Apresento alguns números de valoração do crédito de carbono em https://www.youtube.com/watch?v=Q6PtCRZIBw8
.
[9]
A entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman em 2016 pode ser acessada em https://www.conjur.com.br/2016-jan-01/zygmunt-bauman-neste-seculo-estamos-num-estado-interregno
.
[10]
Recomendo o ótimo diálogo entre Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional
da ONG Auditoria Cidadão da Dívida, e a Profª Rivânia Moura, presidenta
nacional do Andes – SN, que debatem o Orçamento Federal aprovado para 2022. Ver
em https://www.youtube.com/watch?v=9z3fM42cw64
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário